CVM (2010) - ANALISTA DE MERCADO DE CAPITAIS - OBJETIVA 1 - QUESTÃO 34

34 - A autorregulação, no mercado financeiro, significa:

a) que a regulação é fruto de instituições práticas aceitas por todos os integrantes do sistema.
b) que todos os participantes são competentes para ditar normas.
c) que não há agente regulador específico.
d) que a assimetria informacional está na base das escolhas individuais.
e) que, à falta de agência reguladora, faz-se necessário, para fins de equidade, disciplinar as atividades.

Resolução:

O segredo para acerta esta questão estava em saber a diferença entre regulamentação e autorregulamentação.

Vamos falar sobre o que seria a autorregulamentação.

A “auto-regulação” é uma modalidade de ação regulatória exercida pelos próprios agentes a que se destina. O pressuposto implícito é que a regulação é benéfica para o grupo, que explica este aparente paradoxo: uma vez que a regulação de determinada atividade provoca relativo cerceamento de sua liberdade, por que os próprios agentes haveriam de tomar a iniciativa de se auto-regular? 

Os agentes se auto-organizam porque são os maiores interessados na qualidade da regulação de sua atividade, e, por serem os maiores conhecedores do ramo em que atuam, conseguem efetivamente estabelecer padrões de qualidade e normas de conduta de forma freqüentemente muito mais eficiente do que o Estado, através de uma ou mais agências específicas, seria capaz. 

Em termos mais específicos, pode-se afirmar que a iniciativa de determinada coletividade se auto-regular tem como objetivos: proteger os participantes desta determinada indústria da intervenção estatal, ou de regulação estatal que seja executada de modo distorcido e com o fito de privilegiar programas de interesse do Governo em prejuízo do público e da indústria, realizando espécie de regulação privada “preventiva”; estabelecer regras de boa convivência entre os próprios participantes, garantindo segurança jurídica e previsibilidade de suas relações, inclusive quando se tratar de controvérsias e punições; e aumentar a credibilidade da atividade, atraindo mais investimentos para o setor. 

Verifica-se que os objetivos da auto-regulação podem ser benéficos ao mercado, apresentando-se como relevante alternativa ao aperfeiçoamento do mercado de capitais e de sua estrutura regulatória. No entanto, determinadas fragilidades inerentes a esta iniciativa – principalmente no que tange a dificuldade de se compatibilizar o intento lucrativo de seus participantes com o desempenho de atividade regulatória isenta de conflitos de interesses – devem ser remediadas sob pena de transformá-la em falha de mercado.

Espécies  

A auto-regulação pode ser imposta por lei, denominando-se autoregulação legal; ou facultativa, denominando-se auto-regulação voluntária, e pode ser executada de inúmeras formas.

Vantagens 

Por estarem inseridos no mercado objeto de regulação, os autoreguladores possuem conhecimento técnico que o administrador público não tem – o que lhes confere capacidade de produzir normas de mais qualidade em resposta às mutações do mercado, evitando que a demora no fornecimento de respostas pelo regulador estatal desacelere o desenvolvimento pleno do mercado. Possui ainda capacidade de rever suas normas e procedimentos em ritmo que acompanha o dinamismo do mercado, visto que escapa da burocracia e lentidão a que a atividade estatal se sujeita. Apesar do advento da “audiência pública” ter resolvido em parte o problema, especialmente no âmbito da comunicação, seguramente não o fez no que tange à velocidade das decisões.

Já foi comprovado que a falta de recursos e de conhecimentos técnicos prejudica a capacidade do regulador estatal regular adequadamente, por não lhes permitir editar normativos eficientes por não possuírem conhecimentos técnicos com a devida profundidade. 

Neste sentido, o ente auto-regulador desempenha importante papel no estabelecimento de padrões diferenciados de conduta, regulamentando determinadas matérias em grau de detalhe que permite o estabelecimento de instituições, produtos e serviços bastante diversificados, atendendo melhor às diferentes demandas dos agentes do mercado. A prática é facilitada visto que a legislação pertinente ao mercado de capitais constantemente opta por conceitos e padrões relativamente subjetivos justamente para evitar o estabelecimento de entraves a um mercado que se encontra em constante evolução.

A opção é acertada já que o Estado não possui o devido conhecimento técnico para detalhar excessivamente, sendo adequada a técnica legislativa em que o regulador traça linhas gerais e a auto-regulação se ocupa do detalhamento e aconselhamento – o que permite que o mercado, se forma muito mais eficiente do que faz a lei, se ocupe de estabelecer as normas mais eficientes a serem seguidas. 

Como exemplo desta prática, podemos citar o tratamento normativo conferido nos EUA aos procedimentos de segregação de atividades potencialmente conflitantes nas instituições financeiras (Chinese Wall). Na ocasião, a SEC identificou a fragilidade dos procedimentos existentes à época, constatou que a norma pertinente à matéria era excessivamente subjetiva, e apontou determinados pontos mínimos que deveriam ser adotados para o estabelecimento de um Chinese Wall eficiente, conferindo às entidades autoreguladoras a incumbência de normatizar detalhadamente a matéria e fiscalizar seu cumprimento.

Outro exemplo são os segmentos especiais da Bovespa, que tem obtido cada vez maior adesão de forma absolutamente voluntariosa. 

O alto nível de especialização do ente auto-regulador ainda evita o crescimento excessivo do aparelho estatal, pois na ausência de atuação de entidade auto-reguladora, possivelmente o Estado se viria obrigado a criar inúmeros braços especializados para regular diferentes matérias, provocando aumento de custos e ineficiência.

A adesão e receptividade às normas e procedimentos de entidades autoreguladoras pelos participantes também é facilitada quando comparada às normas emanadas pelo regulador estatal, visto que os participantes possuem maior consciência da importância do cumprimento de tais normas, participam efetivamente de sua elaboração, bem como sentem-se moralmente compelidos ao cumprimento. Conseqüentemente, o custo com a fiscalização do cumprimento (enforcement) de suas normas é significativamente reduzido, visto que é extremamente constrangedor descumprir normas das quais se participou da elaboração, e às quais se aderiu voluntariamente. 

Em razão da superioridade técnica na gestão de recursos dos membros integrantes de entidade de auto-regulação, aliado ao fato dos custos da autoregulação serem suportados pelos próprios agentes – o que não ocorre com agência estatal – há ainda forte estímulo para que a estrutura seja o mais eficiente possível, pois se os custos da estrutura auto-regulatória forem excessivos ela deixa de valer a pena. 

Um dos principais benefícios a serem experimentados refere-se à redução dos custos envolvidos na regulação estatal. Além dos custos financeiros, que são significativos, reduzem-se ainda os custos regulatórios, relativos a eventuais impactos negativos que poderiam advir de regulação, mais comuns quando desempenhada por órgão relativamente “distante” da atividade em questão, que não os percebe com tanta rapidez quanto os próprios agentes. Desonerando-se, permite-se que o Estado concentre seus recursos em setores mais sensíveis. 

Problemas 

Apesar dos inúmeros benefícios que poderiam decorrer da autoregulação, existem potenciais problemas que podem prejudicar seu funcionamento adequado e até mesmo inviabilizá-la, caso não sejam devidamente enfrentados.

O principal problema se refere à dificuldade de se harmonizar o propósito lucrativo individual dos participantes de determinada indústria com o propósito coletivo de exercer funções auto-regulatórias de qualidade. Poderia ocorrer a problemática situação dos participantes de determinada indústria se utilizarem da estrutura auto-regulatória para prejudicar concorrentes específicos, ou estabelecerem práticas anti-competitivas que favorecessem a indústria em detrimento do público. 

O desafio que se coloca é como evitar o “corporativismo” tão comum nas associações da classe brasileiras, cujo desenvolvimento está muito atrelado a um passado onde seu papel era o de servir como o “lobby” da indústria.

No caso das bolsas de valores especificamente, onde uma mesma entidade concentra atividades empresariais e regulatórias, a preocupação é ainda mais evidente, visto que sem a efetiva segregação das atividades a colisão de interesses é praticamente certa. Com o processo de desmutualização das bolsas, as corretoras passaram a ser simultaneamente acionistas e regulados. Assim, considerando que são os acionistas que elegem e destituem seus administradores, é difícil supor que estes teriam autoridade para regulá- los. 

Existe ainda dificuldade de se manter a imparcialidade no momento de aplicação de sanção aqueles agentes que movimentam significativas quantias já que sua receita é determinada em função do volume de operações realizadas; supervisão das negociações das ações da própria bolsa (auto-listagem), visto que nesta hipótese a bolsa estaria literalmente encarregada de se auto-regular. 

Por outro lado, frente ao intento lucrativo das bolsas, e da crescente competição, a credibilidade de sua atividade regulatória passa a ser questão central, pois suas receitas serão diretamente proporcionais à qualidade de suas atividades. A ocorrência de conflitos ou quaisquer eventos desabonadores conduziriam os agentes a optarem pela negociação em outra bolsa.

Outro problema identificado, essencialmente nos EUA em virtude da grande quantidade de organizações auto-reguladoras existentes naquele país, foi o alto grau de redundância regulatória nos exames de certificação e na elaboração de normas. Os profissionais de mercado que são membros de diversas associações de auto-regulação devem realizar inúmeros exames de conteúdo muito semelhantes, o que os toma muito tempo além de ser excessivamente custoso. Apesar das tentativas da SEC e das entidades autoreguladoras de reduzir tais ineficiências realizando processos coordenados, a competição entre os auto-reguladores têm dificultado tal processo.

Ainda mais problemática do que a redundância é a existência de contradição normativa e interpretativa entre regulador estatal e o autoregulador. Atente-se que é perfeitamente admissível que a auto-regulação produza normas mais exigentes aos seus membros – prática comum e positiva – e puna seus membros por eventuais irregularidades com base nestas normas. Admite-se ainda que o auto-regulador exija o cumprimento e puna seus membros pelo descumprimento das normas editadas pelo regulador estatal. Porém, já não é razoável supor que este puna seus membros pelo descumprimento de norma elaborada pelo regulador estatal, com base em interpretação diversa deste. 

A situação provocaria insustentável insegurança jurídica, visto que seria possível a hipótese absurda de determinado agente ser absolvido pelo regulador estatal e posteriormente punido pelo auto-regulador por irregularidade com base em norma que o próprio autor da norma julgou inexistir. Nessas hipóteses, observe-se que o melhor intérprete de determinada norma é seu próprio autor, cabendo ao auto-regulador elaborar norma própria expressando o que julga irregular, conferindo previsibilidade aos seus agentes.  

Gabarito: Letra A

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