34 - A autorregulação, no mercado financeiro, significa:
a) que a regulação é fruto de instituições práticas aceitas por todos os integrantes do sistema.
b) que todos os participantes são competentes para ditar normas.
c) que não há agente regulador específico.
d) que a assimetria informacional está na base das escolhas individuais.
e) que, à falta de agência reguladora, faz-se necessário, para fins de equidade, disciplinar as atividades.
Resolução:
O segredo para acerta esta questão estava em saber a diferença entre regulamentação e autorregulamentação.
Vamos falar sobre o que seria a autorregulamentação.
A “auto-regulação” é uma modalidade de ação regulatória exercida
pelos próprios agentes a que se destina. O pressuposto implícito é que a
regulação é benéfica para o grupo, que explica este aparente paradoxo: uma
vez que a regulação de determinada atividade provoca relativo cerceamento de
sua liberdade, por que os próprios agentes haveriam de tomar a iniciativa de se
auto-regular?
Os agentes se auto-organizam porque são os maiores interessados na
qualidade da regulação de sua atividade, e, por serem os maiores conhecedores
do ramo em que atuam, conseguem efetivamente estabelecer padrões de
qualidade e normas de conduta de forma freqüentemente muito mais eficiente
do que o Estado, através de uma ou mais agências específicas, seria capaz.
Em termos mais específicos, pode-se afirmar que a iniciativa de
determinada coletividade se auto-regular tem como objetivos: proteger os
participantes desta determinada indústria da intervenção estatal, ou de
regulação estatal que seja executada de modo distorcido e com o fito de
privilegiar programas de interesse do Governo em prejuízo do público e da
indústria, realizando espécie de regulação privada “preventiva”; estabelecer
regras de boa convivência entre os próprios participantes, garantindo segurança
jurídica e previsibilidade de suas relações, inclusive quando se tratar de
controvérsias e punições; e aumentar a credibilidade da atividade, atraindo
mais investimentos para o setor.
Verifica-se que os objetivos da auto-regulação podem ser benéficos ao
mercado, apresentando-se como relevante alternativa ao aperfeiçoamento do
mercado de capitais e de sua estrutura regulatória. No entanto, determinadas
fragilidades inerentes a esta iniciativa – principalmente no que tange a
dificuldade de se compatibilizar o intento lucrativo de seus participantes com o
desempenho de atividade regulatória isenta de conflitos de interesses – devem
ser remediadas sob pena de transformá-la em falha de mercado.
Espécies
A auto-regulação pode ser imposta por lei, denominando-se autoregulação
legal; ou facultativa, denominando-se auto-regulação voluntária, e
pode ser executada de inúmeras formas.
Vantagens
Por estarem inseridos no mercado objeto de regulação, os autoreguladores
possuem conhecimento técnico que o administrador público não
tem – o que lhes confere capacidade de produzir normas de mais qualidade em resposta às mutações do mercado, evitando que a demora no fornecimento de
respostas pelo regulador estatal desacelere o desenvolvimento pleno do
mercado. Possui ainda capacidade de rever suas normas e procedimentos em
ritmo que acompanha o dinamismo do mercado, visto que escapa da burocracia
e lentidão a que a atividade estatal se sujeita. Apesar do advento da “audiência
pública” ter resolvido em parte o problema, especialmente no âmbito da
comunicação, seguramente não o fez no que tange à velocidade das decisões.
Já foi comprovado que a falta de recursos e de conhecimentos técnicos
prejudica a capacidade do regulador estatal regular adequadamente, por não
lhes permitir editar normativos eficientes por não possuírem conhecimentos
técnicos com a devida profundidade.
Neste sentido, o ente auto-regulador desempenha importante papel no
estabelecimento de padrões diferenciados de conduta, regulamentando
determinadas matérias em grau de detalhe que permite o estabelecimento de
instituições, produtos e serviços bastante diversificados, atendendo melhor às
diferentes demandas dos agentes do mercado. A prática é facilitada visto que a
legislação pertinente ao mercado de capitais constantemente opta por conceitos
e padrões relativamente subjetivos justamente para evitar o estabelecimento de
entraves a um mercado que se encontra em constante evolução.
A opção é acertada já que o Estado não possui o devido conhecimento
técnico para detalhar excessivamente, sendo adequada a técnica legislativa em
que o regulador traça linhas gerais e a auto-regulação se ocupa do detalhamento e aconselhamento – o que permite que o mercado, se forma
muito mais eficiente do que faz a lei, se ocupe de estabelecer as normas mais
eficientes a serem seguidas.
Como exemplo desta prática, podemos citar o tratamento normativo
conferido nos EUA aos procedimentos de segregação de atividades
potencialmente conflitantes nas instituições financeiras (Chinese Wall). Na
ocasião, a SEC identificou a fragilidade dos procedimentos existentes à época,
constatou que a norma pertinente à matéria era excessivamente subjetiva, e
apontou determinados pontos mínimos que deveriam ser adotados para o
estabelecimento de um Chinese Wall eficiente, conferindo às entidades autoreguladoras
a incumbência de normatizar detalhadamente a matéria e fiscalizar
seu cumprimento.
Outro exemplo são os segmentos especiais da Bovespa, que tem obtido
cada vez maior adesão de forma absolutamente voluntariosa.
O alto nível de especialização do ente auto-regulador ainda evita o
crescimento excessivo do aparelho estatal, pois na ausência de atuação de
entidade auto-reguladora, possivelmente o Estado se viria obrigado a criar
inúmeros braços especializados para regular diferentes matérias, provocando
aumento de custos e ineficiência.
A adesão e receptividade às normas e procedimentos de entidades autoreguladoras
pelos participantes também é facilitada quando comparada às normas emanadas pelo regulador estatal, visto que os participantes possuem
maior consciência da importância do cumprimento de tais normas, participam
efetivamente de sua elaboração, bem como sentem-se moralmente compelidos
ao cumprimento. Conseqüentemente, o custo com a fiscalização do
cumprimento (enforcement) de suas normas é significativamente reduzido,
visto que é extremamente constrangedor descumprir normas das quais se
participou da elaboração, e às quais se aderiu voluntariamente.
Em razão da superioridade técnica na gestão de recursos dos membros
integrantes de entidade de auto-regulação, aliado ao fato dos custos da autoregulação
serem suportados pelos próprios agentes – o que não ocorre com
agência estatal – há ainda forte estímulo para que a estrutura seja o mais
eficiente possível, pois se os custos da estrutura auto-regulatória forem
excessivos ela deixa de valer a pena.
Um dos principais benefícios a serem experimentados refere-se à
redução dos custos envolvidos na regulação estatal. Além dos custos
financeiros, que são significativos, reduzem-se ainda os custos regulatórios,
relativos a eventuais impactos negativos que poderiam advir de regulação,
mais comuns quando desempenhada por órgão relativamente “distante” da
atividade em questão, que não os percebe com tanta rapidez quanto os próprios
agentes. Desonerando-se, permite-se que o Estado concentre seus recursos em
setores mais sensíveis.
Problemas
Apesar dos inúmeros benefícios que poderiam decorrer da autoregulação,
existem potenciais problemas que podem prejudicar seu
funcionamento adequado e até mesmo inviabilizá-la, caso não sejam
devidamente enfrentados.
O principal problema se refere à dificuldade de se harmonizar o
propósito lucrativo individual dos participantes de determinada indústria com o
propósito coletivo de exercer funções auto-regulatórias de qualidade. Poderia
ocorrer a problemática situação dos participantes de determinada indústria se
utilizarem da estrutura auto-regulatória para prejudicar concorrentes
específicos, ou estabelecerem práticas anti-competitivas que favorecessem a
indústria em detrimento do público.
O desafio que se coloca é como evitar o “corporativismo” tão comum
nas associações da classe brasileiras, cujo desenvolvimento está muito atrelado
a um passado onde seu papel era o de servir como o “lobby” da indústria.
No caso das bolsas de valores especificamente, onde uma mesma
entidade concentra atividades empresariais e regulatórias, a preocupação é
ainda mais evidente, visto que sem a efetiva segregação das atividades a
colisão de interesses é praticamente certa. Com o processo de desmutualização
das bolsas, as corretoras passaram a ser simultaneamente acionistas e
regulados. Assim, considerando que são os acionistas que elegem e destituem
seus administradores, é difícil supor que estes teriam autoridade para regulá-
los.
Existe ainda dificuldade de se manter a imparcialidade no momento de
aplicação de sanção aqueles agentes que movimentam significativas quantias já
que sua receita é determinada em função do volume de operações realizadas; supervisão das negociações das ações da própria bolsa (auto-listagem), visto
que nesta hipótese a bolsa estaria literalmente encarregada de se auto-regular.
Por outro lado, frente ao intento lucrativo das bolsas, e da crescente
competição, a credibilidade de sua atividade regulatória passa a ser questão
central, pois suas receitas serão diretamente proporcionais à qualidade de suas
atividades. A ocorrência de conflitos ou quaisquer eventos desabonadores
conduziriam os agentes a optarem pela negociação em outra bolsa.
Outro problema identificado, essencialmente nos EUA em virtude da
grande quantidade de organizações auto-reguladoras existentes naquele país,
foi o alto grau de redundância regulatória nos exames de certificação e na
elaboração de normas. Os profissionais de mercado que são membros de
diversas associações de auto-regulação devem realizar inúmeros exames de
conteúdo muito semelhantes, o que os toma muito tempo além de ser
excessivamente custoso. Apesar das tentativas da SEC e das entidades autoreguladoras
de reduzir tais ineficiências realizando processos coordenados, a
competição entre os auto-reguladores têm dificultado tal processo.
Ainda mais problemática do que a redundância é a existência de
contradição normativa e interpretativa entre regulador estatal e o autoregulador.
Atente-se que é perfeitamente admissível que a auto-regulação
produza normas mais exigentes aos seus membros – prática comum e positiva
– e puna seus membros por eventuais irregularidades com base nestas normas.
Admite-se ainda que o auto-regulador exija o cumprimento e puna seus
membros pelo descumprimento das normas editadas pelo regulador estatal.
Porém, já não é razoável supor que este puna seus membros pelo descumprimento de norma elaborada pelo regulador estatal, com base em
interpretação diversa deste.
A situação provocaria insustentável insegurança jurídica, visto que seria
possível a hipótese absurda de determinado agente ser absolvido pelo
regulador estatal e posteriormente punido pelo auto-regulador por
irregularidade com base em norma que o próprio autor da norma julgou
inexistir. Nessas hipóteses, observe-se que o melhor intérprete de determinada
norma é seu próprio autor, cabendo ao auto-regulador elaborar norma própria
expressando o que julga irregular, conferindo previsibilidade aos seus agentes.
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