BACEN - 2013 - ÁREA 3 - QUESTÕES 109 e 110

A respeito da crise da dívida externa brasileira nos primeiros anos da década de 80 do século XX, julgue os itens seguintes.

109 - Os efeitos negativos da elevação da dívida externa entre os anos de 1980 e 1984 levaram à adoção de um sistema de taxas de câmbio flutuantes.

110 - A alta dos preços internacionais do petróleo e o aumento das taxas de juros internacionais constituem alguns dos fatores responsáveis por esta crise.

Resolução:

O período de 1979 - 84 abriga três distintas quanto ao comportamento do PIB: 1979-80, de elevadas taxas de crescimento; 1981-83, de recessão; e 1984, de recuperação, puxada pelas exportações. As diferenças entre essas fases refletem as mudanças ocorridas no cenário internacional e nas estratégias de ajuste externo adotadas no período.

O general João Figueiredo assumiu a presidência em março de 1979. No início de 1979, a economia brasileira entrava no 12º ano consecutivo de vigoroso crescimento e endividamento externo. O mercado internacional ainda se mostrava favorável a esse modelo de crescimento, mas começava a dar sinais de iminente mudanças. Acompanhando o aumento dos juros básicos nos EUA, a prime rate subiu para 9,1% em 1978, após dois anos de estabilidade no nível de 6,8% ao ano. Internamente, a inflação se acelerava, apesar das políticas de controle da demanda agregada (por via fiscal e monetária) implementadas desde de 1976.

Nesse contexto, Simonsen (ministro do planejamento na época) iniciou sua gestão com um conjunto de medidas restritivas, que visavam reforçar o controle sobre os meios de pagamentos e o crédito bancário, bem como conter os investimentos das estatais e as despesas com subsídios. Além disso, o ministro anunciou uma nova política cambial, cujo objetivo era promover desvalorizações reais da taxa de câmbio. Para compensar o impacto dessa nova política sobre os devedores em dólares, o governo permitiu que eles depositassem no BC suas obrigações em dólares antes da data do vencimento. Nesse caso, o risco cambial era transferido para o governo.

Em meados de 1979, o segundo choque do petróleo e a resposta restritiva dos países industrializados, que rapidamente elevaram suas taxas de juros, mudaram radicalmente, e por longo período, o cenário externo até então ''amigável''. O Brasil tinha que realizar novas e rápidas medidas para o ajuste externo. Na visão de Simonsen, dessa vez, o ajuste recessivo se impunha como única forma de controlar o grave desequilíbrio do BP. 

A politica econômica restritiva do ministro gerou criticas que acabaram forçando a sua saída. No lugar dele, assume Delfim Netto.

O diagnóstico inicial de Delfim foi de que o estrangulamento externo que afetava a economia brasileira em 1979 refletia, antes que um excesso generalizado de demanda, um desajuste de preços relativos que distorcia a distribuição dessa demanda entre os diversos setores. Em especial, diante dos novos choques externos, a taxa de câmbio deveria ser corrigido, para promover o redirecionamento da demanda em favor dos bens de produção doméstica e estimular as exportações. Para tanto, as medidas de controle monetário já estabelecidas foram reforçadas, gerando taxas negativas de M1 e do crédito no biênio 1979-80, e foi determinada uma maxidesvalorização cambial, de 30% nominais, em dezembro de 1979.

Na área fiscal, as tarifas públicas foram corrigidas e os gastos públicos controlados. O objetivo era conter o déficit público que, segundo o ministro, alimentava a inflação e juntamente com as operações de esterilização do capital externo, tinham elevado a dívida pública mobiliária para 8% do PIB em 1978. Com essas medidas, os investimentos públicos foram reduzidos no período de 1979-80, mas. na administração direta, não houve retração dos gastos, porque os subsídios ainda cresceram no período.

As correções do câmbio e das tarifas públicas aceleraram a inflação, que saltou da média anual de 38% durante o governo Geisel para 93% ao ano em 1979-80. Essa mudança refletiu também uma mudança no regime de reajuste salarial, implementada em 1979: reconhecendo que o rápido aumento da inflação impunha perdas reais significativas aos salários, o governo mudou a periodicidade de reajuste dos salários nos setores públicos e privado, de anual para semestral, embora com restrições a reposição integral da inflação passada. Em janeiro de 1980, foi adotada a precificação da correção monetária em níveis inferiores aos da inflação vigente, visando, sem sucesso, induzir a expectativa de queda da inflação. As correções salárias frequentes alimentaram a inflação inercial.

Em suma, o modelo de ajuste externo implementado no período de 1979-80 se pretendia não recessivo, combinando controles fiscal e monetário com ajustes de preços relativos que, idealmente, favoreciam a balança comercial e recuperariam as contas públicas, resolvendo, ao mesmo tempo, os desequilíbrios externos e fiscal. Na prática, porém, esses ajustes de preços se tornavam inócuos, porque a aceleração da inflação corroía rapidamente os aumentos reais obtidos a cada rodada de correção. No biênio 1979-80,a  recessão, de fato, foi evitada, por uma combinação de aumentos das exportações e ''crescimento inercial'' dos investimentos públicos e privados do II PND que estavam sendo finalizados.

Ajuste Externo e Estagflação no Período de 1981-84

O insucesso da estratégia de ajuste inicial, aliada ao agravamento do cenário externo, levou o governo a assumir, a partir de 1981, um modelo de ajuste explicitamente recessivo. O objetivo agora era a redução da absorção interna, de modo a gerar excedentes exportáveis. A política monetária ganhava o centro da atenções e a manutenção dos juros reais elevados era sua principal via de atuação. Os juros altos atuariam duplamente sobre o BP: reduzindo o déficit em conta corrente, através da redução da absorção interna; e; ao empurrarem as empresas para o mercado internacional, em busca de juros menores, atrairiam capital estrangeiro para financiar aquele déficit, que, reconhecidamente, não seria eliminado a curto prazo.

A política monetária restritiva gerou forte recessão no período de 1981-83. A recessão, aliada aos efeitos estruturais do II PND, promoveu a reversão dos déficits que caracterizam a balança comercial durante a década de 1970. Contudo, isso não amenizou a perda de reservas internacionais pelo país porque, em 1981, embaladas pelo alta dos juros internacionais, as despesas com rendas deram um salto. Além disso, diante dos riscos então atribuídos a países altamente endividados, como o Brasil, especialmente depois da moratória do México (setembro de 1982), os juros altos no mercado interno não foram capazes de atrair capital suficiente para cobrir as novas despesas. Assim, as reservas internacionais despencaram e o país se viu obrigado a pedir um empréstimo ao FMI no final de 1982.

O acordo do Brasil com o FMI em fins de 1982 foi o primeiro de uma série que, diante das dificuldades de solução do impasse externo aberto pela crise da dívida latino-americana, se estenderia praticamente até o final da década perdida, justificando, em grande parte, essa alcunha para os anos 80. O acordo com o FMI impôs maior rigor a política monetária restritiva em já em curso. A política cambial do ministro Delfim também foi reforçada no início de 1983, com nova maxidesvalorização de 30%.

No biênio 1983-84, a política fiscal tornou-se também restritiva(o que não tinha ocorrido até 1982): a carga tributária foi elevada em 1983 e os investimentos públicos foram drasticamente cortados, contribuindo para a redução da taxa de investimento da economia. A restrição não visava somente atingir a demanda agregada, mas também o próprio déficit público. O aumento da inflação erodia a receita real do governo, caracterizando o chamado ''efeito tanzi''. Além disso, elevava os encargos da dívida pública, através da correção monetária.

A indexação da dívida pública foi uma estratégia crescentemente usada pelo governo para facilitar o financiamento de seus déficits, através da proteção dos rendimentos dos títulos contra a corrosão inflacionária e contra o elevado custo de oportunidade representado por possíveis desvalorizações cambiais. Essa estratégia, iniciada com a criação da correção monetária em 1964, funcionou bem até fins da década de 1970, enquanto a inflação e o câmbio estavam sob controle. No ambiente instável do período de 1981-84, porém, a indexação da dívida tornou-se uma armadilha para o governo: a aceleração da inflação, s correções cambiais, a política de juros altos e, paralelamente, as Resoluções 432 e 230 mantinham o déficit nominal e, portanto, a dívida pública, em crescimento mesmo diante da política fiscal restritiva; Esta, por sua vez, se tornava também cada vez menos eficaz para gerar saldos primários (não financeiros) positivos, porque a política monetária e a instabilidade do período golpeavam duplamente a capacidade de arrecadação do governo: pela retração da economia e pelo efeito Tanzi. Assim, apesar da política fiscal restritiva, o déficit nominal do governo e a dívida pública mobiliária federal subiram.

A política de ajuste externo de 1981-84, mais uma vez auxiliada pelas mudanças estruturais promovidas pelo II PND, produziu superávits comerciais recordes em 1983 e 1984, explicados pela variação do quantum de exportações e importações. No primeiro caso, o aumento mais intenso se deu em 1984, como efeito da recuperação da economia mundial. No caso das importações, a maior contribuição para o ajuste externo ocorreu no período 1981-83, motivada pela recessão doméstica. Em 1984, o consumo, a FBCF e as importações pedem participação no PIB, em 1984, sendo essas perdas compensadas pelo aumento do peso relativo das exportações.

Gabarito: Errado; Verdadeiro

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