AGÊNCIAS REGULADORAS
As que exercem típico poder de polícia, com a imposição de limitações administrativas, fiscalização e repressão; é o caso, por exemplo, da Anvisa, da ANS e da ANA.
As que regulam e controlam as atividades que constituem objeto de concessão, permissão ou autorização de serviço público (telecomunicações, energia elétrica, transportes etc.) ou de concessão para exploração de bem público (petróleo, rodovias); é o caso, por exemplo, da ANATEL, ANEEL, ANP e da ANTT.
Detalhe interessante é que, de todas as agências reguladoras, apenas a ANATEL e a ANP possuem previsão específica na Constituição, sob a expressão “órgão regulador” (art. 21, XI e art. 177, §2º, inciso III, respectivamente). As demais têm base exclusivamente nas leis que as criaram.
As agências reguladoras exercem uma função típica de Estado, relacionada à regulação de serviços públicos e de atividades econômicas delegadas para a iniciativa privada. A regulação é uma das formas possíveis de intervenção do Estado no domínio econômico (intervenção indireta). A outra forma é a intervenção direta, por intermédio das empresas estatais.
No exercício da função regulatória, as agências reguladoras podem editar normas, exercer fiscalização sobre as empresas concessionárias, aplicar sanções, solucionar conflitos entre as empresas e os clientes e solucionar reclamações dos consumidores.
Além de exercerem atribuições administrativas ordinárias, próprias do Poder Executivo, as agências reguladoras também desempenham competências assemelhadas às funções legislativa (editar normas) e judiciária (solução de conflitos). Por essa razão, existem autores que consideram difícil enquadrá-las na tripartição clássica de Poderes.
Todavia, mesmo quando exercem funções assemelhadas às funções legislativa e judicial, suas decisões não perdem a natureza administrativa, vale dizer, não são atos legislativos, capazes de criar direito novo, não previsto em lei anterior, nem são atos judiciais, dotados de definitividade. Além disso, não se pode perder de vista que as agências reguladoras pertencem à Administração Indireta do Poder Executivo.
Em relação à solução de conflitos, é importante destacar que as agências reguladoras, diferentemente do Poder Judiciário, que só age quando provocado, também devem atuar de forma prévia e sistemática no acompanhamento da atuação das empresas reguladas, buscando prevenir o surgimento de controvérsias.
Lembrando que a atuação das agências reguladoras de forma alguma afasta a possibilidade de apreciação do Poder Judiciário acerca de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito.
Quanto ao poder regulamentar das agências reguladoras, os regulamentos por elas expedidos são conhecidos como regulamentos delegados ou regulamentos autorizados, uma vez que, nas matérias de natureza estritamente técnica, eles não se limitam a dar fiel execução à lei, mas podem complementá-la, desde que observem as diretrizes e os limites nela traçados. A possibilidade de sua edição, contudo, deve estar expressamente prevista em lei, vale dizer, as agências não podem editar normativos inteiramente autônomos, sem lei que os autorize. Ademais, as agências, mesmo sendo dotadas de amplos poderes normativos, não podem criar obrigações novas, que não contem com previsão legal.
Aspecto relevante do tema diz respeito à necessária autonomia da atuação das agências reguladoras, característica tomada como a mais importante a ser conferida a essas entidades.
É que, para desempenharem sua função de controle e fiscalização com imparcialidade e rigor técnico, a atuação das agências não pode ser influenciada pelo interesse das empresas reguladas, e nem mesmo pelos interesses do próprio Governo ou dos consumidores. A autonomia deve existir perante todos.
Essa relação entre as agências reguladoras e as demais partes interessadas é objeto de estudo da teoria da captura, pela qual se busca impedir uma vinculação promíscua entre a agência, de um lado, e o governo instituidor ou os entes regulados, de outro, com flagrante comprometimento da independência da pessoa reguladora (o chamado “risco de captura”).
No que tange ao risco de captura da agência pelas empresas do setor regulado, geralmente dotadas de grande poderio econômico, a doutrina ensina que um dos instrumentos mais eficazes para evita-lo é proibir que o ex-dirigente do órgão regulador, nos meses seguintes à sua exoneração, seja contratado por empresas do setor por ele regulado. Essa “quarentena” é uma forma de evitar que o ex-dirigente se utilize de informações privilegiadas para beneficiar a empresa regulada.
No Brasil, a Lei 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras, estabelece a obrigatoriedade de quarentena dos ex-dirigentes, nos seguintes termos:
Art. 8o O ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato.
§ 1o Inclui-se no período a que se refere o caput eventuais períodos de férias não gozadas.
§ 2o Durante o impedimento, o ex-dirigente ficará vinculado à agência, fazendo jus a remuneração compensatória equivalente à do cargo de direção que exerceu e aos benefícios a ele inerentes.
§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo ao ex-dirigente exonerado a pedido, se este já tiver cumprido pelo menos seis meses do seu mandato.
§ 4o Incorre na prática de crime de advocacia administrativa, sujeitando-se às penas da lei, o ex-dirigente que violar o impedimento previsto neste artigo, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, administrativas e civis.
§ 5o Na hipótese de o ex-dirigente ser servidor público, poderá ele optar pela aplicação do disposto no § 2o, ou pelo retorno ao desempenho das funções de seu cargo efetivo ou emprego público, desde que não haja conflito de interesse.
Além da quarentena dos ex-dirigentes das agências reguladoras, que possui previsão legal, a jurisprudência também não tem aceitado a realização do movimento inverso, ou seja, do dirigente de empresa do setor que vai ocupar cargo nos órgãos diretivos das agências.
Como exemplo, o TRF da 5ª Região já impediu a nomeação para vagas de Conselheiro Consultivo da ANATEL, destinadas à representação dos usuários, de determinadas pessoas que haviam ocupado cargos em empresas concessionárias, tendo-se fundado a decisão na evidente suspeição que o desempenho de tais agentes poderia ocasionar.
De um modo geral, os autores apontam a previsão de mandatos fixos para os dirigentes como um dos mais importantes e mais utilizados mecanismos para assegurar a imparcialidade das agências reguladoras.
No Brasil, atualmente, os dirigentes de todas as agências federais possuem mandato fixo, a teor do art. 9º da Lei 9.986/2000:
Art. 9o Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.
Parágrafo único. A lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a perda do mandato.
Ressalte-se que, como dispõe o parágrafo único do dispositivo acima, além da renúncia, da condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar, a lei de criação de cada agência poderá prever outras condições para a perda do mandato.
Outros instrumentos teóricos para conferir autonomia às agências reguladoras seriam o estabelecimento de fontes próprias de recursos, provenientes do próprio exercício da função regulatória, a não subordinação hierárquica a qualquer instância de governo e a indicação de dirigentes pautada em critérios técnicos, sendo preferível que sua indicação não seja ato exclusivo do Poder Executivo, e sim um ato que conte com a participação do Poder Legislativo.
Quanto a este último ponto, cumpre salientar que os dirigentes das agências reguladoras federais são nomeados conforme o procedimento previsto no art. 52, III, “f” da CF, ou seja, o Presidente da República escolhe a pessoa para ser dirigente de agência reguladora, mas só pode nomeá-la após aprovação do Senado Federal. Ademais, os indicados devem preencher certos critérios técnicos, além de possuir reputação ilibada. É o que diz a Lei 9.986/2000:
Art. 5o O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.
Cumpre observar que as agências reguladoras são dirigidas em regime de colegiado, por um Conselho Diretor ou Diretoria composta por Conselheiros ou Diretores, sendo um deles o seu Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente.
As agências reguladoras, na sua condição de autarquias, são vinculadas à Administração Direta; no âmbito federal, elas se vinculam ao Ministério correspondente à sua área de atuação. Por exemplo, a ANATEL é vinculada ao Ministério das Comunicações e a ANP, ao Ministério das Minas e Energia. Portanto, as agências reguladoras se submetem ao controle finalístico (tutela administrativa) efetuado pelo respectivo Ministério supervisor.
As leis instituidoras de algumas agências reguladoras preveem a obrigatoriedade de celebrarem contrato de gestão com o Poder Executivo, hipótese em que sua autonomia em relação ao órgão supervisor se vê ampliada ainda mais, sendo o controle direcionado para o alcance de metas e resultados.
Além da tutela administrativa, as agências reguladoras também se submetem aos controles judicial e legislativo, este último incluindo o controle exercido pelo Tribunal de Contas. Nesses casos, o controle sobre as agências não possui qualquer particularidade em relação ao que é exercido sobre as demais entidades integrantes da Administração Pública.
Por fim, vale observar que as leis instituidoras das atuais agências reguladoras estabelecem, em alguns casos, instrumentos específicos de participação popular, com destaque para a consulta pública e a audiência pública. Esses institutos, de maneira geral, permitem a manifestação dos agentes econômicos e dos consumidores sempre que possa ser editado um ato ou tomada uma decisão que possa afetar o direito deles.
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