STN - 2013 Analista de Finanças e Controle - Questão 2 (específica)

2 - O período 1981-1984 foi especialmente difícil para a economia brasileira. Sobre esse período, pode-se dizer que: 

a) a crise da dívida que se configurou foi impulsionada pela segunda crise do petróleo de 1979 e por forte elevação das taxas de juros internacionais. Estas foram as únicas causas da forte deterioração da situação externa do País. 

b) as políticas de restrição da demanda agregada do período contribuíram significativamente para corrigir o desequilíbrio do setor externo. 

c) a crise deste período foi amenizada pela estratégia expansionista executada por Delfim Netto em 1979- 1980. 

d) as necessidades de financiamento do balanço de pagamentos levaram o governo, já em 1983, a recorrer ao FMI. 

e) as políticas de restrição da demanda agregada foram bem-sucedidas em atenuar a inflação do período.

Resolução:

O período 1979-84 abriga três fases distintas quanto ao comportamento do PIB: 1979-80, de elevadas taxas de crescimento; 1981-83, de recessão; e 1984, de recuperação, puxada pelas exportações. As diferenças entre essas fases, especialmente entre a primeira e a segunda, refletem as mudanças ocorridas no cenário internacional e nas estratégias de ajuste adotadas no período.

Ajuste Externo e Crescimento Inercial no período de 1979-80

O início de 1979, a economia brasileira entrava no 12º ano consecutivo de vigoroso crescimento e endividamento externo. O mercado internacional ainda se mostrava favorável a esse modelo de crescimento, mas começava a dar sinais de iminente mudança. Acompanhando o aumento dos juros básicos nos EUA. Internamente, a inflação se acelerava apesar das políticas de controle da demanda agregada (por via fiscal e monetária) implementadas desde 1976.

Nesse contexto, Simonsen iniciou sua gestão no Ministério do Planejamento com um conjunto de medidas restritivas, que visavam reforçar o controle sobre os meios de pagamento e o crédito bancário (inclusive os empréstimos do BNDES), bem como conter os investimentos das estatais e as despesas com subsídios. Além disso, o ministro anunciou uma nova política cambial, cujo objetivo era promover desvalorizações reais da taxa de câmbio. Para compensar o impacto dessa nova política sobre os devedores em dólares, foram editadas as Resoluções 432 e 230 do BC, que permitiam, respectivamente, a empresas e bancos depositarem no BC os dólares devidos antes do vencimento das obrigações para o governo, que se tornava, então, responsável pela liquidação das dívidas em suas datas de vencimento.

Em meados de 1979, o segundo choque do petróleo e a resposta restritiva dos países industrializados, que rapidamente elevaram suas taxas de juros, mudaram radicalmente, e por longo período, o cenário externo até então ''amigável''. O novo contexto exigia do Brasil novas e rápidas medidas de ajuste externo. Na visão de Simonsen, dessa vez, o ajuste recessivo se impunha como única forma de controlar o grave desequilíbrio do BP. 

Em agosto de 1979, Simonsen foi substituido por Delfim Netto.

O diagnostico de Delfim foi de que o estrangulamento externo que afetava a economia brasileira em 1979 refletia, antes que um excesso generalizado de demanda, um desajuste de preços relativos que distorcia a distribuição dessa demanda entre os diversos setores. Em especial, diante dos novos choques externos, a taxa de câmbio deveria ser corrigida, para promover o redirecionamento da demanda em favor dos bens de produção doméstica e estimular as exportações. Para tanto, as medidas de controle monetário já estabelecidas foram reforçadas, gerando taxas negativas de crescimento do M1 e do crédito no biênio 1979-80, e foi determinada uma maxidesvalorização cambial, de 30% nominais, em dezembro de 1979.

Na área fiscal, as tarifas pública foram corrigidas e os gastos públicos controlados. O objetivo era conter o déficit público que, segundo o ministro, alimentava a inflação e, juntamente com as operações de ''esterilização'' do capital externo, tinham elevado a dívida pública mobiliária para 8% do PIB em 1978. Visando controlar os gastos das estatais foi criada a Sest. Com essas medidas, o peso dos investimentos públicos na FBCF foi reduzido no período de 1979-80, mas, na administração direta, não houve retração dos gastos, porque os subsídios (basicamente, direcionados à agricultura e exportação) ainda cresceram no período.

As correções do câmbio e das tarifas públicas aceleraram a inflação (de 38% para 93%). Essa aceleração refletiu também uma mudança no regime de reajuste salarial, implementada em meados de 1979: reconhecendo que o rápido aumento da inflação impunha perdas reais significativas aos salários, o governo mudou a periodicidade de reajuste dos salários nos setores público e privado, de anual para semestral, embora com restrições à reposição integral da inflação passada. Em janeiro de 1980, foi adotada a prefixação da correção monetária (que corrigia contratos em geral) em níveis inferiores aos da inflação em curso, visando, sem sucesso, induzir expectativas de queda da inflação. As correções salariais mais frequentes, aliadas à prática generalizada da indexação de contratos, tornaram-se fatores realimentadores do processo inflacionário e da chamada inflação inercial.

Em suma, o modelo de ajuste externo implementado no período 1979-80 se pretendia não recessivo, combinando controles fiscal e monetário com ajustes de preços relativos que, idealmente, favoreciam a balança comercial e recuperariam as contas públicas, resolvendo, ao mesmo tempo, os desequilíbrios externo e fiscal. Na prática, porém, esses ajustes de preços se tornavam inócuos, porque a aceleração da inflação corroía rapidamente os aumentos reais obtidos a cada rodada de correção.

No biênio 1979-80, a recessão, de fato, foi evitada (o PIB cresceu à taxa média de 8% ao ano no período), por uma combinação de aumento das exportações e crescimento inercial dos investimentos públicos e privados do II PND, que estavam sendo finalizados.

No que tange ao BP, porém, o desequilíbrio externo não foi sequer amenizado entre 1979-80, porque:

(1) a maxidesvalorização de 1979 não se materializou em desvalorização real do câmbio, porque foi corroída pelo rápido aumento da inflação;

(2) apesar do forte crescimento das exportações, o déficit comercial aumentou, puxado pelo aumento dos preços (especialmente do petróleo) e, em 1979. também do quantum das importações;

(3) sob o efeito do aumentos dos juros internacionais, as despesas com rendas cresceram;

(4) os superávits da conta de capital não foram suficientes para cobrir os déficits correntes, tornando o BP deficitário.

Ajuste Externo e Estagflação no Período de 1981-84

O insucesso da estratégia de ajuste inicial, aliado ao agravamento do cenário externo, levou o governo a assumir, a partir de 1981, um modelo de ajuste explicitamente recessivo. O objetivo agora era a redução da absorção interna, de modo a gerar excedentes exportáveis. Na nova estratégia, a política monetária ganhava o centro da cena, e a manutenção de juros reais elevados era sua principal via de atuação. Os juros altos atuariam duplamente sobre o BP: reduzindo o déficit em conta corrente, através da redução da absorção interna, e, ao empurrarem as empresas (inclusive as estatais) para o mercado internacional, em busca de juros menores, atrairiam capital estrangeiro para financiar aquele déficit, que, reconhecidamente, não seria eliminado a curto prazo.

A política monetária restritiva foi efetivamente implementada até o fim do governo Figueiredo, gerando forte recessão no período de 1981-83. A recessão, aliada aos efeitos estruturais do II PND, promoveu a reversão dos déficits que caracterizam a balança comercial durante a década de 1970 - a balança torna-se superavitária a partir de 1981. Contudo, isso não amenizou a perda de reservas internacionais pelo país porque, em 1981, embaladas pela alta dos juros internacionais, as despesas com renda deram um salto para US$10,3 bilhões e outro em 1982, para US$13,5 bilhões. Além disso, diante dos riscos então atribuídos a países altamente endividados, como o Brasil , especialmente depois da moratória do México, os juros altos no mercado interno não foram capazes de atrair capital suficiente para cobrir as novas despesas.

Assim, as reservas internacionais chegaram a US$4 bilhões em 1982 e teriam sido ainda menos se o país não tivesse, ao fim desse ano, recorrido a um empréstimo do FMI, que injetou US$4,2 bilhões na conta de capital.

O acordo do Brasil com o FMI em fins de 1982 foi o primeiro de uma série que, diante das dificuldades de soluções do impasse externo aberto pela crise da dívida latino-americana, se estenderia praticamente até o final da ''década perdida'', justificando, em grande parte, essa alcunha para os anos 80. O acordo com o FMI impôs maior rigor a política monetária restritiva já em curso. Em 1983, a queda real do M1 e do crédito ao setor privado chegou, respectivamente a 36% e 26%. A política cambial do ministro Delfim também foi reforçada no início de 1983, com nova maxidesvalorização de 30%, que, dessa vez, resultou em desvalorização real.

No biênio 1983-84, a política fiscal tornou-se também restritiva: a carga tributária foi elevada em 1983 e os investimentos públicos foram drasticamente cortados, contribuindo para a redução da taxa de investimento da economia para 20% do PIB em 1983. Nesse caso, a restrição não visava atingir somente a demanda agregada, mas também o próprio déficit público. Essa deterioração fiscal refletia, de um lado, a resistência do gasto público à baixa e, de outro, os efeitos danosos do ajuste externo do período de 1979-80. O aumento da inflação erodia a receita real do governo, caracterizando o chamado ''efeito Tanzi''. Além disso, elevada os encargos da dívida pública, através da correção monetária. A maxidesvalorização cambial de 1979 e a política de juros altos a partir de então também afetaram as despesas financeiras do setor público, elevando os encargos das dívida interna e externa.

A indexação da dívida pública foi uma estratégia crescentemente usada pelo governo para facilitar o financiamento de seus déficits, através da proteção dos rendimentos dos títulos contra a corrosão inflacionaria e contra o elevado custo de oportunidade representado por possíveis desvalorizações cambiais. No ambiente instável do período de 1981-84, porém, a indexação da dívida tornou-se uma armadilha para o governo: a aceleração da inflação, as correções cambiais, a política de juros altos e, paralelamente, as resoluções 432 e 230 mantinham o déficit nominal e, portanto, a dívida pública, em crescimento mesmo diante da política fiscal restritiva. Esta, por sua vez, se tornava também cada vez menos eficaz para gerar saldos primários (não financeiros) positivos, porque a política monetária e a instabilidade do período golpeavam duplamente a capacidade de arrecadação do governo: pela retração da economia e pleo efeito Tanzi. Assim, apesar da política fiscal restritiva, o déficit nominal do governo e a dívida pública mobiliária federal subiram, respectivamente, para 24,6% do e 14,3% do PIB em 1983.

A política de ajuste externo de 1981-84, mais uma vez auxiliada pelas mudanças estruturais promovidas pelo II PND, produziu superávits comerciais recordes em 1983 e, principalmente em 1984, explicados, predominantemente, pela variação do quantum de exportações e importações. No primeiro caso, o aumento mais intenso se deu em 1984, como efeito da recuperação da economia mundial. No caso das importações, a maior contribuição para o ajuste externo ocorreu no período de 1981-83, motivada pela recessão doméstica.

O ajuste externo de 1984 caracteriza-se como parte do ajuste recessivo implementado a partir de 1981, já que refletiu uma mudança na distribuição do PIB entre os componentes da demanda agregada claramente favorável à transferência líquida de recursos reais ao exterior: em 1984, o consumo, a FBCF e as importações perdem participação no PIB, sendo essas perdas compensadas pelo aumento do peso relativo das exportações.

 Gabarito: Letra D

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