IMUNIZAÇÃO E DURATION HEDGE



Imunização de um portfólio seria conseguir um "casamento" perfeito entre as durações dos títulos desse portfólio. É claro que estamos falando de casar direito e obrigações, de forma a zerar (ou reduzir) o risco de fluxo de caixa da empresa ou do fundo.

Para casar fluxos de obrigações e direitos, também é comum o uso do mercado a termo e futuro de juros, mas isso é assunto para outro post.

A imunização de apenas um período, normalmente significa que temos apenas um objeto no tempo. Por exemplo, obter 15% ao ano durante 5 anos ou sair de R$ 100.000 para R$ 200.000 em 5 anos. Você pode querer fazer isso por ter algum compromisso no futuro para quitar com esses valores.

Imunização de múltiplos períodos significa ajustar múltiplas obrigações no futuro (como acontece nos fundos de pensão) com fluxos de caixa provenientes dos títulos comprados hoje.

É razoável crer que um fundo de pensão, com estimativas precisas dos custos que terá nos próximos anos (muitos anos), queira sempre se posicionar em títulos que garantam honrar esses fluxos.

Claro que na vida real nem sempre (fora do Brasil ao menos, onde os juros são mais baixos) é possível se utilizar apenas de instrumentos de renda fixa para gerir o portfólio de um fundo de longo prazo.


A imunização, idealmente, quer tornar um portfólio "imune" às variações nas taxas de juros.

A lógica é interessante. Se uma empresa com muitas obrigações e investimentos, com maturidade de fluxos diferentes, com taxas de juros diferentes, conseguir "casar" as durações de ambos os lados do balanço, estaria "livre" do risco das variações nas taxas de juros.

O problema do reinvestimento - Maturity Hedge

Em tese, se alguém tem um horizonte de 5 anos, por exemplo, e compra um título que pague cupons de 6% ao ano (como nossos títulos de inflação), pagando um valor presente descontado por uma taxa de 10%, por exemplo, estaria garantindo essa taxa de 10%. É o que dizem popularmente. Se o comprador mantiver o título, terá a rentabilidade contratada.

Mas isso não é verdade. Veja:


Essa planilha explica uma das características da Taxa Interna de Retorno.

Todos os professores falam que a TIR pressupõe a capacidade de reinvestir os fluxos à mesma taxa inicial. Isso não é aprofundado nos cursos de valuation, mas para renda fixa é fundamental que o aluno entenda essa característica da TIR.

É por isso que o maturity-hedge não funciona, ou seja, mesmo comprando os títulos com todos os valores contratados e levando-o à maturidade, NÃO dá para garantir que seu retorno seja de 10%.

A planilha mostra o fluxo de 10 títulos que pagam 6% ao ano, com valor de face R$ 1.000. Para que REALMENTE os ganhos de quem recebe aqueles cupons de R$ 600 seja de 10% ao ano, ele precisa ser capaz de reinvestir os cupons a 10% ao ano.

Se conseguir, é obvio que seu retorno será de 10%. A planilha demonstra isso, pois calcula o valor futuro dos juros de cada parcela e soma (R$ 13.663,06) e calcula que o valor presente desse título (R$ 8.483,69), investido a 10% ao ano daria EXATAMENTE o mesmo valor do somatório do valor futuro dos títulos.

Mas e se, por hipótese, só conseguíssemos reinvestir os fluxos a taxas de 9% no primeiro ano, 8% no segundo, 6% no terceiro e 5% no quarto ano?



Fica bem claro que, na hipótese de não ser possível reinvestir os fluxos à taxa de 10%, seu retorno NÃO será de 10%.

Só para reforçar. Se aplicássemos os R$ 8.483,69 a 10% ao ano, receberíamos R$ 13,663,06 ao final de 5 anos. Porém, se investirmos o mesmo num título com cupons, só teremos o mesmo valor futuro SE os juros não mudarem. Se só for possível reinvestir a juros menores, teremos um valor futuro MENOR, portanto não receberemos os 10%, mesmo mantendo o título até o final.


Por isso o hedge da maturidade não funciona adequadamente.

Imunização e Duration-Hedge

Imagine, por hipótese, que você deve R$ 1 milhão, com vencimento em 4 anos e taxa de 14% ao ano. Isso significa que terá que pagar R$ 1.688.960 ao final desse período. Você quer comprar um título com pagamento de cupons para garantir o pagamento dessa obrigação no futuro.

Para "garantir" uma imunização total ao título, será fundamental obter o seguinte:



Vamos trabalhar com as duas primeiras condições para ver como funcionaria essa imunização.

Nós veremos aqui que os fundos conseguirão "casar" taxas de juros a pagar e taxa de juros a receber. Isso é contra intuitivo para as pessoas físicas, pois, como sempre há um spread bancário, não faria sentido conseguir um empréstimo de 8% ao ano e uma aplicação de 12% ao ano. Você pegaria esse empréstimo, aplicaria, pagaria e teria um ganho livre de risco.

Mas lembre-se que fundos, como os de pensão, por exemplo, existem justamente para isso. Para obter rentabilidade investindo o dinheiro dos participantes e fazer pagamentos com base nessa rentabilidade. Por isso é absolutamente natural que as taxas obtidas com o ativos e as taxas a pagar dos passivos, sejam próximas para fundos.

Em resumo, não estamos falando do sistema bancário, que capta a 14% ao ano e empresta a 400%.

Precisamos obter um ativo que tenha valor presente de R$ 1 milhão e duração de 4 anos.

Olhando no mercado, verificamos que há um título com duração de 4 anos. É um título com cupom de 12% ao ano, vencimento em 5 anos e valor de face R$ 1.000. Á taxa de 14% ao ano, ele está cotado no mercado a R$ 931,34.

Quantos títulos precisamos comprar para termos R$ 1 milhão investidos?



Utilizaremos valores quebrados (0,72 título) para a conta ficar mais precisa.

O valor presente do título (taxa de 14%, cupom 12%) é calculada como se segue:



Na penúltima coluna temos os valores dos fluxos futuros (sem desconto) multiplicados pela quantidade de títulos. O valor presente desses fluxos está calculada na última coluna.



chegamos ao ano 1. Qual seria o valor de mercado do título imediatamente após o pagamento do cupom?

É simples! Basta trazer os 4 períodos seguintes (3 x R$ 120,00 + 1 x R$ 1.120) a valor presente, pela taxa de 14% (supondo que não mude).

O valor de mercado do título seria R$ 941,73, PORÉM não é esse o valor que o detentor do título disporá, pois houve pagamento de R$ 120,00 de cupom. Significa que seu patrimônio, parte em dinheiro recebido através do cupom, parte pelo valor presente (de mercado) do título seria R$ 1.061,73.

No ano seguinte, o investidor terá reaplicado seus R$ 120,00 à taxa de 14% (supondo ser essa a taxa à época) e receberá mais R$ 120. A soma desses dois valores (cupom reaplicado e cupom do dia) seria R$ 256,80. Além disso, o investidor ainda tem o título, cujo valor presente (de mercado) seria R$ 953,57. O total à disposição seria R$ 1.210,37.

No ano 4 (pulamos o ano 3), teríamos 3 cupons (1,2 e 3) reinvestidos, mais R$ 120,00 mais R$ 982,46 (valor do título no ano 4, taxa de 14% ao ano). Seriam R$ 470,54 mais R$ 120,00 mais 982,46 totalizando R$ 1.572,99 reais por título.

Multiplicando esse resultado pelos 1.073,72 títulos, esse investidor teria R$ 1.688.960.

Lembram da dívida que vencia em 4 anos? Pois ao comprar um título com duração de 4, mesmo valor presente e mesma taxa de juros, em 4 anos seria possível pagar dívida com o valor disponível do título.

Veja na planilha:




Mas isso não é grande benefício de se "casar" a duração dos ativos e passivos. A principal vantagem é a redução da exposição ao risco de variação das taxas de juros. Perto da duração o título não deveria oscilar muito. Oscilará um pouco, pois a duração se modifica, mas veja o que ocorre quando as taxas variam:




Perceba que, ao casar ativos e passivos pela duração, garantindo que o ativo tenha valor presente maior ou igual ao do ativo, houve significativa redução dos riscos de a variação da taxa de juros "descasar" os pagamentos e recebimentos. 

Essas diferenças, mesmo para oscilações bruscas como de 14% para 5%, são pequenas, de menos de 1% do valor a ser pago. 

Aqui vale relembrar que títulos com a mesma duração deverão ter a mesma sensibilidade às variações das taxas de juros. Para valores infinitesimais esse match é perfeito, para valores maiores, não é perfeito (pois a duração varia), mas a oscilação é bastante reduzida. Veja no quadro abaixo:



Perceba que, se os juros tivessem subindo para 25%, o Valor Presente do título (+ reinvestimentos) no ano 5 seria de R$ 2.131.174. Muito mais alto do que os R$ 1.688.960 necessários. Isso por força do reinvestimento dos cupons a taxas bem mais altas.

Importante colocar que estou usando Valor Presente no ano 4, para indicar qual seria o valor disponível (valor do título + cupom + cupons reinvestidos) no ano 4.

Há inúmeras técnicas para gestão e imunização de portfólios complexos, mas, prioritariamente, são técnicas numéricas, com programação em softwares específicos, rebalanceamento, etc. 

São técnicas muitas vezes específicas de cada fundo, às vezes até de propriedade desses fundos. Em relação à teoria de imunização há muitas formas de se abordar, mas não temos o intuito de esgotar o assunto nesse post. 

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