BACEN - 2013 - ÁREA 3 - QUESTÕES 113, 114 e 115

Julgue os itens a seguir, referentes ao Plano Real.

113 A alta inflação propiciava receitas para os bancos comerciais, de modo que a sua eliminação pelo Plano Real foi em parte responsável por uma crise bancária. 

114 A unidade real de valor (URV), criada em fevereiro de 1994 como unidade de conta, passou a ser meio de pagamento em julho desse ano, mudando em seguida de nome. 

115 Como parte do Plano Real, promoveu-se uma desvinculação parcial das receitas do governo federal.

Resolução:

O Plano Real foi originalmente concebido como um programa em três fases: a primeira tinha como função promover o ajuste fiscal que levasse ao ''estabelecimento do equilíbrio das contas do governo, com o objetivo de eliminar a principal causa da inflação brasileira''; a segunda fase visava ''a criação de um padrão estável de valor denominado Unidade Real de Valor - URV''; finalmente, a terceira concedia poder liberatório à unidade de conta e estabelecia ''as regras de emissão e lastreamento da nova moeda (real) de forma a garantir a sua estabilidade''.

FASE I: O Ajuste Fiscal

A primeira fase do Plano Real foi composta por dois esforços de ajuste fiscal: o Programa de Ação Imediata (PAI) e o Fundo Social de Emergência (FSE). O PAI, a rigor, já havia sido lançado em maio de 1993, tendo por foco a redefinição da relação da União com os Estados e do Banco Central com bancos Estaduais e Municipais, além de um programa de combate a sonegação. Dando continuidade a esses esforços, propunha-se, em fevereiro de 1994, a aprovação do FSE. Este seria constituído através da desvinculação de algumas receitas do governo federal, visando atenuar a excessiva rigidez dos gastos da União ditada pela Constituição de 1988. Pretendia-se, com o FSE, resolver a questão do financiamento dos programas sociais brasileiros, identificados como prioritários. Seu caráter ''emergencial'' se devia ao fato de que, originalmente, era previsto vigorar por um período de apenas dois anos (1994-95), embora tenha sido sistematicamente prorrogado, com outros nomes.

O diagnóstico do problema fiscal como causa da inflação no Plano Real, segundo Edmar Bacha, foi que a coexistência entre déficit operacional baixo e alta inflação no país não deveria ser interpretada como prova da pouca relevância do desajuste fiscal para inflação. Existia no Brasil um ''déficit potencial'', um desequilíbrio não revelado. Isso porque a demanda por recursos, expressa por ocasião da votação orçamentária, vinha sendo muito superior ao efetivamente verificado ao final do ano fiscal.

A relativa adequação entre o hiato de recursos orçados e o resultado fiscal era realizada através de dois procedimentos. Em primeiro lugar, o orçamento embutiria, em regra, uma previsão inflacionária bem inferior à efetivamente observada. Como as receitas públicas no Brasil se encontravam indexadas (pela inflação verificada) e as despesas eram fixas em termos nominais, a subestimativa da inflação favorecia a redução do déficit. Em segundo lugar, o Ministério da Fazenda adiava frequentemente a liberação das verbas orçamentárias, corroendo o valor real dos gastos. Dessa forma, existiria um desajuste ex ante (isto é, entre os gastos e as receitas orçadas) muito elevado, mas conforme a inflação corroía os gastos do governo em termos reais (e suas receitas mantinham-se relativamente protegidas), surgia, ex post, um déficit apenas moderado. Os dois efeitos somados levavam à realização, no Brasil, de um ''Efeito Tanzi às avessas''.

O fato é que as mudanças introduzidas pelo PAI e pelo FSE não se mostraram suficientes para assegurar o equilíbrio fiscal sequer em 1995. Além disso, o governo foi extremamente otimista nas suas perspectiva em aprovar, nos anos que se seguiram, reformas estruturais no Congresso. Estas eram consideradas, na concepção do Plano, fundamentais para a estabilidade duradoura - e não foram feitas. Houve forte deterioração no superávit primário no primeiro ano após a introdução da nova moeda, Real (1995). Nos demais anos (1996-98) a maior contribuição para o aumento do déficit operacional, que reúne além das contas primárias as despesas de juros, vieram destas últimas.

FASE II: Desindexação

A segunda fase do Plano buscava eliminar o componente inercial da inflação. Partiu-se do princípio de que para acabar com a inflação era preciso zerar a memória inflacionária. Mas, em vez da utilização de congelamentos de preços, a desindexação seria feita de forma voluntária, através de uma quase moeda, que reduziria o período de reajustes de preços.

A estratégia de redução do reajuste dos preços (superindexação) para posterior desindexação partia da obervação de que, paradoxalmente, é mais fácil combater uma hiperinflação do que eliminar inflações altas e inconstitucionalmente enraizadas (alta inflação).

Para a corrente que defendia a necessidade da desindexação para o sucesso do Plano Real, o problema decorre, basicamente, do fato de que, na alta inflação, os preços ainda acompanham movimentos da inflação passada; enquanto na hiperinflação os preços passam a seguir diariamente os movimentos de outra moeda, em geral o dólar. Retiram-se, portanto, os vínculos dos preços com o passado e criam-se as pré condições para acabar com a inflação, através de uma ''nova moeda'', sem memória. Em suma, através da URV, ao invés de esperar que o encurtamento do período de reajuste dos contratos viesse em consequência de uma aceleração da taxa de inflação (como ocorrera nos países que viveram episódios dramáticos de hiperinflação), propunha-se uma reforma monetária que anulasse a memória inflacionária do sistema, de forma a simular uma hiperinflação, sem viver suas consequências.

Estipulou-se no Plano Real que não existiria uma ''nova moeda'', mas apenas uma nova unidade de conta. A URV foi então racionalizada como um processo de recuperação das funções de uma mesma moeda. Através dela se recuperaria, primeiramente, a função de unidade de conta (já que URV era apenas um indexador para contratos, permanecendo o cruzeiro real com a função de meio de pagamento), para depois transformar a URV em Real, resgatando sua função de reserva de valor, pelo fim da inflação.

A URV começou a vigorar a partir do dia 1º de março de 1994. Entre 1º de março e 30 de junho, o BC fixou diariamente a paridade entre o cruzeiro real e a URV, tendo por base a perda do poder aquisitivo do cruzeiro real. Em 1º de julho de 1994 foi lançado o Real - e extinta a URV.

A segunda inovação em relação à proposta Larida se refere à criação de um indexador superior. O cálculo diário da URV foi estabelecido através da variação pro rata de três índices de preços: IGP-M, IPCA-E e IPC-Fipe. Como a URV era um mecanismo de curta duração, era conveniente utilizar um conjunto de índices para amenizar os benefícios que a utilização de um único índice traria a certos setores da economia. Além disso (terceira inovação), estabeleceu-se que os preços finais teriam de ser expressos em cruzeiros, obrigatoriamente, sendo a cotação em URVs facultativa. Essa medida visava evitar um excessivo encurtamento do período de reajuste, o que aceleraria demasiadamente a inflação - o que pode ser considerado uma terceira inovação em relação à proposta original.

Uma quarta e importante contribuição ao aperfeiçoamento da proposta Larida foi feita por um de seus próprios criadores. Ao invés da política monetária passiva, implícita na proposta original, Persio Arida defendeu que, ainda que a inflação fosse puramente inercial, uma estratégia de desindexação provavelmente só seria bem-sucedida se elevasse o juros no imediato pós-Plano. Basicamente, porque o fim da inflação leva a uma explosão natural do consumo que, se não contida, pode inviabilizar a estabilidade rapidamente. Assim, ao contrário do ocorrido no Plano Cruzado, no início do Plano Real, a equipe do governo optou por aumentar as taxas reais de juros e elevar as taxas de depósitos compulsórios da economia, após a introdução da nova moeda.

Tal como no plano Cruzado, os salários foram convertidos pela média dos valores reais obtidos nos quatro meses anteriores. Entretanto, foi introduzida uma importante mudança (quinta inovação): o pagamento pelo conceito de caixa. A partir de 1º de março, os salários ficavam fixos em URV, e eram pagos pela URV do dia do pagamento. Isso equivale à correção mensal dos salários. No caso das demais obrigações contratuais, ficou estabelecido que, no dia 1º de julho, todas elas deveriam estar expressas na nova unidade de conta. O voluntarismo na adesão à urverização dos contratos reforçava a ideia de que o Plano Real respeitava, ao máximo, os mecanismos de mercado, evitando o uso de tablitas e outras formas de intervenção do passado.

FASE III: Âncora Nominal

A Medida Provisória (MP) 542, que deu início à terceira fase do Plano Real, apresentava um conjunto de medias sobrepostas. Eram elas, entre outros:

(1) o lastreamento da oferta monetária doméstica (no conceito de base monetária) em reservas cambiais, na equivalência de R$1 por US$1. ainda que essa paridade pudesse ser alterada pelo Conselho Monetário Nacional;

(2) a fixação de limites máximos para o estoque de base monetária por trimestre (até março de 1995), podendo as metas serem revistas em até 20%;

(3) a introdução de mudanças institucionais no funcionamento do Conselho Monetário Nacional, buscando dar passos em direção a uma maior autonomia do BC.

Além dessas medidas, O BC anunciou um enorme aperto de liquidez. Os recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista (novos) foram, em junho, aumentados de 40 para 100%, enquanto os de depósitos compulsórios a prazo e de poupança foram fixados em 20%. Os compulsório foram sendo gradualmente reduzidos. Esse significativo aperto de liquidez logo após o lançamento da nova moeda é uma das maiores características do Plano Real em contraposição a planos de estabilização da segunda metade dos anos 1980. O objetivo desse aperto era conter o impulso de demanda que se verificara após a estabilização no Brasil.

No que se refere à MP citada, a rigor, nenhuma das medidas previstas foi integralmente mantida na terceira fase do Plano: nem as meta monetárias, nem o lastro, nem a tentativa de fazer mudanças no Conselho Monetário na direção de uma maior autonomia ao BC, ou mesmo a manutenção de uma paridade fixa do dólar em relação ao limite superior da banda. A política de câmbio livre para baixo durou apenas três meses. Nestes, o BC se absteve de intervir no mercado de câmbio, ao mesmo tempo em que procurava, em vão, cumprir metas monetárias rígidas. Em outubro de 1994, porém, devido, entre outras razões, ao insucesso das metas monetárias, o governo resolveu mudar de âncora, abandonando a monetária em prol da cambial, sem compromisso formal com o lastro.

As duas grandes virtudes da adoção de uma âncora cambial são:

a) permitir o estabelecimento (uma vez que a âncora seja crível) de contratos de longo prazo (inviáveis em regimes de elevada inflação);

b) exercer forte pressão sobre os preços no setor de bens comercializáveis;

Apesar das vantagens da âncora cambial no tocante à rápida convergência dos preços e ao aumento dos prazos de contratação, sua adoção tem consequências negativas para determinadas variáveis econômicas. São cinco as mazelas ressaltadas pelos críticos da proposta da âncora cambial:

1) reforçar a absorção interna, podendo ocasionar pressões inflacionárias e até o abandono do programa;

2) faz com que a economia perca competitividade no comércio exterior, em função do aumento dos salários medidos em dólares;

3) deteriora as contas externas, devido à apreciação real do câmbio uma vez que a inflação interna cai, porém, permanece acima da internacional por algum tempo;

4) até que o programa se torne crível ou devido à existência de rigidez em alguns preços, as taxas de juros devem permanecer inicialmente superiores às internacionais, para depois convergirem;

5) provoca ciclos na atividade real da economia.

O Plano Real apresentou diversas características comuns aos planos baseados em âncora cambial adotados em países de longa história inflacionária. Assim como nas demais experiências:

■ Houve apreciação cambial, decorrente de um câmbio pouco flexível e resistência na queda da inflação;

■ A atividade real da economia sofreu um boom inicial com queda do desemprego (1995) e posterior aumento deste;

■ A expansão do produto (também) se baseou principalmente no consumo (duráveis em particular, mais sensíveis ao crédito), apesar de que, como na experiência internacional, tenha ocorrido modesto aumento do investimento produtivo e ganhos mais significativos de produtividade;

■ Os salários reais, nos primeiros períodos do Plano, também se elevaram;

■ Os índices de preços ao consumidor tenderam a ficar, numa primeira fase;

■ Houve rápida deterioração da balança de conta-corrente;

■O Brasil teve os déficits em transações correntes financiados por fluxos de capital, abundante durante certo tempo, que (também) se reverteram em momentos de crise de confiança (Crise do México, Crise Asiática e Crise Russa); por fim, o país sofreu uma crise cambial seguida de desvalorização, em 1999.

Na realidade, apenas duas variáveis não se comportam, no Brasil, conforme previsto pela teoria econômica desenvolvida para explicá-la: os juros e o déficit público.

Em geral, nos países de alta inflação que adotam âncora cambial, as taxas de juros, se bem que inicialmente mais elevadas que as internacionais, tendem a convergir para o patamar externo com o passar do tempo. No Brasil, não só as taxas de juros foram mantidas elevadas ao longo de todo o período 1994-98, como se mostraram bastantes voláteis. Quanto ao déficit público, o que normalmente ocorre é uma redução do déficit na fase expansiva do ciclo e posterior deterioração na fase depressiva. No caso brasileiro, houve de fato uma melhora inicial (em 1994) seguida de grande deterioração.

Diante desse comportamento, pode-se dizer que os elevados juros durante todo o período do Real funcionaram como uma segunda âncora para os preços. A partir de certo ponto, inclusive, a âncora dos juros se tornou mais relevante do que o papel desempenhado pelo câmbio. Este, a rigor, perdeu, nos últimos anos, seu caráter de âncora dos preços.

Gabarito: Correto, Correto, Correto

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