STN - 2013 Analista de Finanças e Controle - Questão 1 (específica)

1 - Entre 1968 e 1973, o PIB real apresentou extraordinário crescimento no Brasil. Relativamente a esse período, conhecido como o do "milagre brasileiro", é correto afirmar que:

a) a taxa média de crescimento foi superior a 14%.

b) o forte crescimento foi obtido apesar do fraco desempenho da economia mundial no período e da piora nos termos de troca para o Brasil.

c) embora tenha havido crescimento do PIB real, a produtividade total dos fatores não cresceu no mesmo período.

d) foi um importante determinante do “milagre brasileiro” o menor grau de abertura da economia para o exterior que resultou das reformas do Governo Castelo Branco.

e) foram cruciais para o "milagre brasileiro" as reformas institucionais do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), entre 1964 e 1966, em particular as reformas fiscais/tributárias e financeira, que criaram as condições para a aceleração subsequente do crescimento.

Resolução:

Vamos comentar cada alternativa.

a) Errado. A taxa média de crescimento foi de 11% ao ano.

b) Errado. A economia mundial não teve um fraco desempenho e não houve piora dos termos de troca do Brasil, muito pelo contrario, os juros eram baixos e os preços das commodities aumentaram.

c) Errado. Houve aumento da produtividade.

d) Errado. Novamente, o que aconteceu de verdade foi o contrário: maior abertura da economia.

e) Esta é a resposta da questão mas, para chegar até ela, vamos analisar este período da economia brasileira.

Vamos começar falando sobre o PAEG.

Ao longo de 1963 e até o início de 1964, a economia brasileira operou em verdadeiro estado de ''estagflação'' (estagnação com inflação).

Tanto o PAEG quanto as reformas estruturais do período de 1964-66 estão fundamentados no diagnóstico apresentado pelo ministro Roberto Campos. Campos apontou duas linhas principais de ação para a superação da crise: o ''lançamento de um plano de emergência destinado a combater eficazmente a inflação'', que veio a ser o PAEG, e o ''lançamento de reformas de estruturas'' (as reformas fiscal e financeira).

Quanto a inflação, a avaliação de Campos era de que ''a responsabilidade primordial do processo inflacionário cabe aos déficits governamentais e à contínua pressão salarial''. Os déficit alimentavam a expansão dos meios de pagamento que, por sua vez, sancionavam os aumentos de salários. Esse diagnóstico inspirou as principais medidas do PAEG:

1) Um programa de ajuste fiscal, com base em metas de aumento da receita (via aumento da arrecadação tributária e de tarifas públicas) e de contenção (ou corte, em 1964) de despesas governamentais;

2) Um orçamento monetária que previa taxas decrescentes de expansão dos meios de pagamentos;

3) Uma política de controle do crédito ao setor privado, pela qual o crédito total ficaria limitado às mesmas taxas de expansão definidas para os meios de pagamento;

4) Um mecanismo de correção salarial pelo qual ''as revisões salariais (...) deverão guiar-se pelo critério da manutenção, durante o período de vigência de cada reajustamento, do salário real médio verificado no biênio anterior, acrescido de porcentagem correspondente ao aumento de produtividade''. Essa regra foi aplicada inicialmente a administração pública e, a partir de 1966, se estendeu-se ao setor privado.

Apesar da austeridade monetária e fiscal, o combate à inflação estava sempre qualificado no sentido de não ameaçar o ritmo da atividade produtiva. O plano previa taxas reais de crescimento do PIB de 6% ao ano biênio 1965-66.

As metas do Paeg para a inflação indicavam uma estratégia assumidamente gradualista. O Plano não se propôs a eliminar o processo inflacionário em curto espaço de tempo, mas apenas a atenuá-lo ao longo de três anos, admitindo-se ainda uma inflação de dois dígitos (10%) no terceiro ano.

A opção pelo gradualismo foi justificada com base no argumento de que havia a necessidade de uma ''inflação corretiva'' e de evitar-se uma grave crise de estabilização.

Com relação ao primeiro aspecto, o problema é que a aceleração da inflação é, em geral, acompanhada de um processo de desajuste de preços relativos, sendo particularmente penalizados aqueles preços fixados em contratos de longo prazo, como salários, aluguéis, tarifas públicas e, em regime de câmbio administrado, como o que vigia no Brasil à época, também a taxa de câmbio. Esse desajuste é, em si, uma fonte alimentadora da inflação, porque gera um conflito distributivo causador de contínuas demandas por correções de preços defasados. O diagnóstico do Paeg para o Brasil de 1964 era de que, entre aqueles preços, apenas os salários não estavam defasados. A correção das tarifas públicas e da taxa de câmbio era apontada como uma medida duplamente necessária, pois, além de eliminar (ou atenuar) as distorções de preços relativos, contribuiria também, respectivamente, para o ajuste fiscal e para o ajuste do balanço de pagamentos.

Quanto ao segundo ponto, o argumento era de que a magnitude dos cortes fiscais e monetários necessários para reduzir rapidamente a inflação, a partir do nível elevado em que se encontrava no início de 1964, provocaria uma grave recessão da atividade econômica.

As reformas estruturais do Período de 1964-67

A Reforma Tributária

Os objetivos explícitos da reforma tributária eram o aumento da arrecadação do governo (via aumento da carga tributária da economia) e a racionalização do sistema tributário. Nesse sentido, pretendia-se reduzir os custos operacionais da arrecadação eliminando impostos de pouca relevância financeira, e definir uma estrutura tributária capaz de incentivar o crescimento econômico. Para tanto, as principais medidas implementadas foram:

(1) instituição da arrecadação de impostos através da rede bancária;

(2) extinção dos impostos do selo (federal), sobre profissões e diversões públicas (municipais);

(3) criação do ISS (imposto sobre serviços), a ser arrecadado pelos municípios;

(4) substituição do imposto estadual sobre vendas, incidente sobre o faturamento das empresas, pelo ICM (imposto sobre circulação de mercadorias), incidente apenas sobre o valor adicionado a cada etapa de comercialização do produto;

(5) ampliação da base de incidência do imposto sobre a renda de pessoas físicas;

(6) criação de uma série de mecanismos de isenção e incentivos a atividades consideradas prioritárias pelo governo à época;

(7) criação do Fundo de Participação dos Estados e Municípios (FPEM), através do qual parte dos impostos arrecadados no nível federal era repassada às demais esferas de governo.

Esse conjunto de medidas resultou em significativa elevação da carga tributária do país (de 16% em 1963 para 21% em 1967). Do ponto de vista distributivo, a reforma tributária do governo Castello Branco foi regressiva, beneficiando as classes de renda mais alta (os poupadores) com os incentivos e isenções sobre o imposto de renda. Assim, a maior parte do aumento de arrecadação foi obtida através dos impostos indiretos, que, em termos relativos, penalizam mais as classes de baixa renda.

Outra característica da reforma tributária foi o seu caráter centralizador, do ponto de vista federativo. Foi limitado o direito dos estados e municípios legislarem sobre tributação. Esses direitos ficaram restritos ao imposto sobre transmissão de imóveis (de baixa arrecadação) e ao ICM, no caso dos estados, e ao ISS e IPTU, no caso dos municípios. Além disso, a reforma atribuiu exclusivamente à União o poder de decisão sobre o percentual das transferências através do FPEM; conferiu à União o poder de ingerência sobre a alocação de parte desses recursos e eliminou o princípio da anualidade, pelo qual novos tributos só podem entrar em vigor no ano seguinte à sua aprovação pelo Congresso, para impostos indiretos (principal alvo do aumento da carga tributária) e contribuições.

Nessas condições, o êxito da reforma no sentido de aumentar a carga tributária, bem como promover o desenvolvimento financeiro e econômico do país no período do milagre, deve ser credita tanto à racionalidade das medidas voltadas para esses fins como ao regime autoritária vigente.

Reforma Financeira

Até meados da década de 1960, o sistema financeiro brasileiro constituía-se, basicamente, de quatro tipos de instituições: bancos comerciais privados e financeiras, que atuavam na provisão de capital de giro para as empresas; caixas econômicas federais e estaduais, atuando no crédito imobiliário; e bancos públicos (BB e BNDE), únicos que atuavam na intermediação a prazos mais longos. Instituições não bancárias, embora existissem, tinham papel secundário no mercado financeiro do Brasil pré-1964.

As reformas de 1964-67 tiveram por objetivos explícito complementar o SFB, constituindo um segmento privado de longo prazo no Brasil. A carência dessas instituições e instrumentos tinha ficado patente durante o Plano de Metas, cujo financiamento teve como fontes predominantes a emissão de moeda, algumas fontes fiscais ou parafiscais e o capital externo.

Diante desse quadro, o objetivo da reforma financeira foi adotar o SFB de mecanismo de financiamento capazes de sustentar o processo de industrialização já em curso, de forma não inflacionária. Para tanto, era necessário, em primeiro lugar, reorganizar o funcionamento do mercado monetário, o que foi feito com a criação de duas novas instituições: o BC, como executor da política monetária, e o Conselho Monetário Nacional (CMN), com funções normativas e reguladora do SFB.

Quanto ao modelo de financiamento, o projeto original seguia o modelo segmentado, vigente nos EUA. Nestes, as instituições financeiras atuam em segmentos distintos do mercado, cabendo aos bancos de investimentos o papel de prover financiamento de longo prazo, como intermediários na colocação de títulos no mercado de capitais e, em menor escala, como emprestadores finais. No Brasil, manteve-se ainda um papel importante para os bancos públicos no crédito de longo prazo.

Para viabilizar esse modelo, era necessário estabelecer regras claras de funcionamento do mercado de capitais e dotar as instituições financeiras, bem como as empresas interessadas no financiamento direto, de condições de acesso a recursos de longo prazo. As regras de funcionamento do mercado foram estabelecidos numa série de Leis e Resoluções do governo. Quando à captação de longo prazo, o diagnóstico era de que tanto a geração, quanto a alocação de poupança no Brasil eram prejudicadas pelo baixo retorno real dos ativos de longo prazo, em um contexto de inflação crescente e juros nominais limitados.

O aumento do retorno real dos ativos requeria a contenção do processo inflacionário. Esse problema seria enfrentado com o PAEG. A opção do governo pelo gradualismo no combate à inflação exigia, contudo, a criação de mecanismos de proteção do retorno real dos ativos, bem como de incentivo à demanda, durante o período de transição para a baixa inflação. Os mecanismos então criados foram diferenciados por segmento de mercado:

(1) para títulos públicos foi criada, em julho de 1964, a ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), que instituiu a correção monetária da dívida pública, com base na inflação ocorrida ao longo de cada período de pagamento de juros;

(2) para os ativos privados de renda fixa (títulos e empréstimos), a Lei do Mercado de Capitais e Resoluções posteriores do Bacen autorizam a emissão de diversos tipos de instrumentos financeiros com correção monetária;

(3) quanto aos ativos de renda variável (ações), foram concedidas ou isenções de imposto de renda para as empresas emissoras de ações e para os poupadores;

(4) para os bancos públicos foram ainda criados novos mecanismos de captação de longo prazo, a partir de fundos especiais, formados por recursos das próprias autoridades monetárias ou por poupança compulsória.

Outro aspecto importante das reformas de 1964-66 foi a ampliação do grau de abertura da economia ao capital externo, de risco (investimento diretos) e, principalmente, de empréstimo. Os principais expedientes criados para atrair esses recursos foram os seguintes:

(1) regulamentação de alguns tópicos da Lei nº 4,131, de forma a permitir a captação direta de recursos externos por empresas privadas nacionais;

(2) Resolução 63 do Bacen, que regulamentou a captação de empréstimos externos pelos bancos nacionais para repasse às empresas domésticas;

(3) mudança na legislação sobre investimentos estrangeiros no país, de modo a facilitar as remessas de lucros ao exterior - o objetivo era tornar o mercado brasileiro mais competitivo na captação de investimentos diretos.

A abertura financeira era vista como uma condição capaz de contribuir para o aumento da concorrência e da eficiência do SFB. Além disso, a avaliação das autoridades, à época, era de que o país padecia de uma carência estrutural de poupança interna, de modo que, mesmo com a reorganização do sistema financeiro doméstico, a oferta de fundos teria de ser suplementada por recursos externos.

Vamos falar do milagre agora.

Características Gerais do Milagre

Em 1968, a economia brasileira inaugurou uma fase de crescimento vigoroso, que se estendeu até 1973. Nesse período, o PIB cresceu a uma taxa média da ordem de 11% ao ano, liderado pelo setor de bens de consumo durável e, em menor escala, pelo de bens de capital. a taxa de investimento, que ficou estagnada em torno de 15% do PIB no período de 1964-67, subiu para 19% em 1968 e encerrou o período do milagre em pouco mais de 20%.  O crescimento do período de 1968-73 retomou e complementou o processo de difusão da produção e consumo de bens duráveis, iniciado com o Plano de Metas.

A façanha da economia brasileira nesse período foi ainda mais surpreendente porque tal ritmo de crescimento foi acompanhado de queda da inflação (embora moderada) e de sensível melhora do BP, que registrou superávits crescentes ao longo do período.

Ao assumir o governo em março de 1967, o general Costa e Silva convidou o professor de Economia da USP, Delfim Netto, para assumir a pasta da Fazenda. Delfim manteve, em linhas gerais, a política de combate gradual à inflação, mas imprimiu uma mudança de ênfase da política econômica em dois sentidos:

(1) O controle da inflação passou a enfatizar o componente de custos, em vez da demanda;

(2) O combate a inflação deveria ser conciliado com políticas de incentivo à retomada do crescimento econômico.

Essa reorientação atendia à já mencionada necessidade de o governo militar legitimar-se no poder como uma alternativa melhor para o país que a do governo deposto, marcado pela tendência à estagflação.

Na nova estratégia, as políticas fiscal e salarial do Paeg foram mantidas praticamente sem alterações: os déficits do governo foram sendo reduzidos e as correções salariais seguiram a regra criada em 1966, baseada na inflação estimada (pelo governo), e não na inflação efetiva. Mas 1967 marca um ponto de inflexão na política monetária, que se tornou expansiva, após a forte restrição da liquidez em 1966. Para compensar os possíveis efeitos da expansão monetária sobre a inflação, foram instituídos controles de preços, através de um órgão criado exclusivamente para esse fim - a Conep. A Conep passou a ''tabelar'' não apenas preços públicos, mas também um série de preços privados - basicamente, insumos industriais. Os juros cobrados pelos bancos comerciais foram também tabelados pelo Bacen.

Em meados de 1968 foi lançado o Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), cujas prioridades eram:

(1) a estabilização dos preços, mas sem a fixação de metas explícitas de inflação;

(2) o fortalecimento da empresa privada, visando à retomada dos investimentos;

(3) a consolidação da infraestrutura, a cargo do governo;

(4) a ampliação do mercado interno, visando a sustentação da demanda de bens de consumo, especialmente dos duráveis.

(5) adoção de minidesvalorizações cambiais.

No campos fiscal, havia a determinação de que os investimentos públicos em infraestrutura não comprometessem o ajuste fiscal em curso. Isso foi obtido através do aumento da participação das empresas estatais nesses investimentos, reduzindo a participação da administração direta.

Com o afastamento de Costa e Silva, a mesma orientação de política econômica foi mantida no governo Médice (1969-73).

A Política Econômica e a Economia Durante o Milagre

A mudança da ênfase na política monetária e anti-inflacionária, introduzida pelo ministro Delfim Netto, aliada aos efeitos da reforma financeira, que facilitou a expansão do crédito ao consumidor, se refletiu na atividade econômica a partir de 1968, quando o PIB cresceu 9,8%.

Quanto ao trade off da curva de Phillips, quatro fatores atuaram para conter a tendência ao aumento da inflação:

(1) a capacidade ociosa da economia, herdada do período de fraco crescimento (1962-67);

(2) o controle direto do governo sobre preços industriais e juros;

(3) a política salarial em vigor, que, em geral, resultou em queda dos salários reais;

(4) a política agrícola implementada, que contribuiu para expandir a produção e evitar pressões inflacionárias no setor, através de financiamentos públicos subsidiados e de isenções ficais para a compra de fertilizantes e tratores.

Além disso, a melhora das contas externas permitiu um controle maior sobre a taxa de câmbio. Apesar da política de minidesvalorizações cambiais adotadas a partir de 1968, as defasagens entre as correções cambais e a inflação, especialmente entre 1970 e 1973, evitaram que o câmbio se tornasse uma fonte autônoma de pressão inflacionária. Isso contribuiu para conter a inflação de custos que ameaçava a economia, à medida que aumentava o grau de utilização da capacidade existente (que chegou a 90% em 1973).

Quanto ao dilema entre crescimento e equilíbrio externo, a solução do problema foi facilitada por uma combinação de condições favoráveis:

(1) a disponibilidade de liquidez a juros baixos no mercado externo, aliada à ja mencionada ''boa vontade'' dos EUA para com o Brasil;

(2) a posição favorável dos termos de troca, diante do aumento dos preços das commodities exportáveis;

(3) a expansão do comércio mundial.

Gabarito: Letra E

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