Quais os efeitos que uma nova constituição gera?
O poder constituinte originário, quando se manifesta, ele está criando um novo estado, rompendo com o ordenamento jurídico anterior e estabelecendo um novo. São três os efeitos da entrada em vigor de uma nova constituição:
a) A constituição anterior é totalmente revogada. Ela é retirada do mundo jurídico e não pode mais ser usada para embasar nenhuma decisão.
No Brasil não se aceita a tese da desconstitucionalização. Por essa teoria, a nova constituição recepciona as normas da antiga constituição conferindo-lhes "status" legal, infraconstitucional.
A desconstitucionalização é fenômeno que ocorre somente quando houver determinação expressa do poder constituinte originário.
b) As normas infraconstitucionais editadas na vigência da constituição anterior que forem materialmente compatíveis com a nova constituição são por ela recepcionadas.
Enfatizamos que é preciso existir apenas compatibilidade material (quanto ao conteúdo) entre as normas da constituição antiga com a nova constituição. Não é preciso existir compatibilidade formal. É importante ressaltar que o status da norma da antiga constituição recepcionada será definida pela nova constituição.
Uma outra possibilidade é quando a nova constituição determina, expressamente, a continuidade de determinados dispositivos da constituição anterior. É plenamente possível que uma lei a constituição anterior seja recepcionada de maneira parcial. A análise de compatibilidade deve ser feita de forma individual (artigo por artigo, inciso por inciso, parágrafo por parágrafo).
c) As normas infraconstitucionais da constituição anterior, materialmente incompatíveis com a nova constituição nova, são revogadas.
Essa revogação é (assim como a recepção das normas materialmente compatíveis) tácita e automática: a nova Constituição não precisa dispor que os dispositivos incompatíveis serão expurgados do ordenamento jurídico.
Alguns autores entendem que no caso da entrada de uma nova constituição, as normas com ela incompatíveis se tornam inconstitucionais, pelo fenômeno da inconstitucionalidade superveniente. ESSA NÃO É A POSIÇÃO DO STF, que considera o controle de constitucionalidade só é cabível quando a norma é contemporânea a constituição vigente. Ou seja, uma norma feita na constituição de 1967, não poderá ter sua constitucionalidade examinada face a constituição de 1988.
Enfatizamos, então, mais uma vez que o Brasil não reconhece a inconstitucionalidade superveniente. As normas incompatíveis da antiga constituição não são inconstitucionais quando uma nova constituição nasce, elas são revogas.
Feita essas considerações a respeito da recepção e revogação do direito pré constitucional. Vamos analisar, agora, algumas situações peculiares.
a) O fenômeno da repristinação: a repristinação consiste na possibilidade de aceitação de normas que foram revogadas.
Imagine que uma lei, materialmente incompatível com Constituição de 1967, tenha sido por ela revogada. Com o advento da Constituição Federal de 1988, essa mesma lei torna-se compatível com a nova ordem constitucional. Diante disso, pergunta-se: essa lei poderá ser “ressuscitada”? Poderá ocorrer a repristinação?
Sim!
A repristinação só é admitida excepcionalmente quando há disposição expressa nesse sentido. Somente existe repristinação expressa (jamais tácita). No Brasil, somente pode haver recepção de dispositivos que estejam em vigor no momento em que a nova constituição foi feita.
b) Promulgação de emendas constitucionais: sabemos que as emendas constitucionais são obras do poder constituinte derivado. A pegunta é: o que acontece com as leis anteriores à emenda constitucionais que com ela forem materialmente incompatíveis?
Suponha que uma lei X, editada em 2011, se torne materialmente incompatível com uma emenda constitucional Y de 2012. O que acontece com a lei?
Ela será revogada ou será considerada inconstitucional?
Ela será revogada! No Brasil não se aceita a tese da inconstitucionalidade superveniente.
Por outro lado, as normas editadas depois de uma emenda constitucional, que sejam incompatíveis com ela, poderão ser consideradas inconstitucionais.
c) Recepção x "Vacatio Legis": nem sempre as leis são aplicadas logo depois de sua criação, é bem comum que exista um período de Vacatio Legis, no qual a lei está vacante, não podendo ser aplicada. Isso existe para que as pessoas e o poder público possam se adaptar a nova realidade.
E o que acontece quando uma nova constituição é promulgada e nesse data existe uma lei em período vacatio legis?
A doutrina considera que a lei vacante não será recepcionada pela nova constituição. Isso porque a recepção so se aplica as normas que estejam em vigor no momento da promulgação da constituição. Como a lei ainda está em Vacatio Legis, ela não será recepcionada.
d) Direito pré-constitucional inconstitucional face á constituição pretérita: Essa é uma situação um pouco mais complexa. Estamos, aqui, nos referindo àquelas normas editadas sob a égide da Constituição pretérita, mas que com ela são incompatíveis. Essas normas serão recepcionadas pela nova Constituição caso sejam com esta materialmente compatíveis?
O exame de constitucionalidade de uma lei somente será possível face a constituição em que foi editada. Assim, uma lei editada sob a égide da Constituição de 1967 não poderá ter sua constitucionalidade examinada frente à Constituição de 1988; a constitucionalidade dessa lei somente poderá ser aferida frente à Constituição de 1967, que lhe é contemporânea.
Nessa ótica, uma lei editada em 1980 poderá ser considerada inconstitucional perante a Constituição de 1967, mas materialmente compatível com a Constituição de 1988. A Constituição de 1988 poderá, então, recepcioná-la?
Não. A lei de 1980 já nasceu inválida porque incompatível com a Constituição da época. Assim, não poderá ser recepcionada pela nova Constituição; com efeito, um dos requisitos essenciais para que uma norma seja recepcionada é que ela seja válida perante a Constituição de sua época (Constituição pretérita).
e) Alteração da repartição constitucional de competências pela nova Constituição: O Poder Constituinte Originário é ilimitado e pode, inclusive, fazer alterações na repartição de competências da federação. Uma determinada matéria que, na Constituição pretérita, era da competência legislativa dos Estados, pode tornar-se, com a nova Constituição, competência da União. O contrário também poderá ocorrer: uma matéria de competência da União pode, com a nova Constituição, passar a ser competência dos Estados.
Imagine, então, que um tema “X” seja competência da União face à Constituição pretérita. A União, por consequência, edita uma lei regulando o assunto. Com o advento da nova Constituição, o tema “X passa a ser da competência dos Estados. Essa lei será, então, recepcionada pela nova Constituição, desde que com ela materialmente compatível, como se tivesse sido editada pelo ente competente para tratar da matéria. A lei federal será recepcionada, portanto, como lei estadual.
Agora, suponha o caso inverso. O tema “Y” é competência dos Estados face à Constituição pretérita. Os 26 Estados brasileiros e o Distrito Federal editam, então, leis estaduais tratando do tema. Com a nova Constituição, o tema “Y” passa a ser da competência da União. Será que as 27 leis estaduais serão recepcionadas como leis federais? Por lógica, elas não serão recepcionadas pela nova Constituição. Caso isso acontecesse, teríamos 27 leis regulando a mesma matéria e, possivelmente, de forma diversa, gerando total insegurança jurídica.
A conclusão desse nosso raciocínio só pode ser a seguinte: a recepção somente será possível se houver alteração de competência de um ente de maior grau para um ente de menor grau. Exemplo: uma lei federal vigente sob a égide da Constituição pregressa poderá ser recepcionada como estadual pela nova Carta, se esta estabelecer que os Estados são competentes para disciplinar a matéria.
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