Maria decide vender sua mobília para Viviane, sua colega de trabalho. A alienante decidiu desfazer-se de seus móveis porque, após um serviço de dedetização, tomou conhecimento que vários já estavam consumidos internamente por cupins, mas preferiu omitir tal informação de Viviane. Firmado o acordo, 120 dias após a tradição, Viviane descobre o primeiro foco de cupim, pela erupção que se formou em um dos móveis adquiridos.
Poucos dias depois, Viviane, após investigar a fundo a condição de toda a mobília adquirida, descobriu que estava toda infectada. Assim, 25 dias após a descoberta, moveu ação com o objetivo de redibir o negócio, devolvendo os móveis adquiridos, reavendo o preço pago, mais perdas e danos.
O enunciado, ao trazer a palavra redibir, já indica que o assunto nele abordado são os chamados vícios redibitórios, cuja previsão encontra-se nos arts. 441-446, CC/2002:
Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.
Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.
Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.
Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.
Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.
Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
§ 1° Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.
§ 2° Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.
Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.
Em suma, vícios redibitórios são aqueles que acarretam a desvalorização da coisa ou a tornam imprópria para o uso.
Há posicionamentos na doutrina que divergem quanto à necessidade de tal vício ser oculto, todavia, o entendimento majoritário é que os vícios redibitórios devem ser ocultos. Deve ser destacado que o vício diferencia-se do erro. O primeiro refere-se a um problema que atinge o contrato, enquanto o erro ataca a vontade, sendo, portanto, um vício de consentimento. Desse modo, afirma Flávio Tartuce (Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011, p. 542) que o vício redibitório atinge o plano da eficácia do contrato (resolução ou abatimento no preço), enquanto o erro alcança o plano de validade (anulabilidade do contrato).
Prejudicado pelo vício redibitório, o adquirente poderá fazer uso das ações edilícias (art. 442, CC/2002), cujos prazos são decadenciais, por meio das quais: (i) pleiteará abatimento proporcional no preço (ação quanti minoris ou ação estimatória); ou (ii) requererá a resolução do contrato (com a devolução da coisa e reembolso da quantia em dinheiro despendida), sem prejuízo de eventuais perdas e danos, por intermédio da chamada ação redibitória.
No tocante às perdas e danos, torna-se necessária a comprovação de má-fé do alienante, ou seja, deveria este ter conhecimento da existência do vício, consoante art. 443, CC/2002.
Sobre tais possibilidades, comenta o professor Tartuce (Op. Cit., pp. 543-543):
[Em obediência ao princípio da conservação do contrato], deve-se entender que a resolução do contrato é o último caminho a ser percorrido. Nos casos em que os vícios não geram grandes repercussões em relação à utilidade da coisa, não cabe ação redibitória, mas apenas a ação quanti minoris, com o abatimento proporcional do preço. Anote-se que, segundo a doutrina, se o vício for insignificante ou ínfimo e não prejudicar as finalidades do contrato, não cabe sequer esse pedido de abatimento no preço.
O art. 444 do CC/2002 impõe a responsabilidade do alienante pela coisa ainda que a mesma pereça em poder do adquirente, caso o perecimento ocorra em virtude de vício oculto existente à época da tradição.
Em relação aos prazos para ajuizamento das ações edilícias temos o seguinte quadro:
(i) para vício que possa ser percebido IMEDIATAMENTE (art. 445, caput, CC/2002): 30 (trinta) dias, se coisa móvel; e 1 (um) ano, se imóvel, contado da efetiva entrega. Caso o adquirente já estivesse na posse do bem, o prazo é contado da alienação da coisa, reduzido à metade (15 dias para móvel e seis meses para imóvel); e
(ii) para vício que somente possa ser reconhecido a posteriori (art. 445, § 1º, CC/2002): o prazo será contado a partir do momento em que o adquirente tiver ciência do defeito/vício, até o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, se móvel; e 1 (um) ano, para imóvel.
Todavia, há enunciado da III Jornada de Direito Civil que emprega entendimento diverso, como destaca Tartuce (Op. Cit., pp. 544-545):
De toda sorte, colaciona-se a existência de um entendimento em sentido diverso. Quando da III Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado o Enunciado n. 174, com teor controvertido, a saber: “Em se tratando de vício oculto, o adquirente tem os prazos do caput do art. 445 para obter redibição ou abatimento de preço, desde que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no parágrafo primeiro, fluindo, entretanto, a partir do conhecimento de defeito”.
[...]
Esclarecendo o teor do enunciado doutrinário, ele está prevendo que, nos casos de vícios ocultos, o adquirente terá contra si os prazos de 30 dias para móveis e 1 ano para imóveis (art. 445, caput, do CC), desde que os vícios surjam nos prazos de 180 dias para móveis e 1 ano para imóveis (art. 445, § 1º, do CC), a contar da aquisição desses bens. Parte considerável da doutrina [e da jurisprudência] concorda com a aplicação do raciocínio.
O parágrafo 2º do art. 445 remete à lei especial os prazos de garantia relacionados aos vícios redibitórios no caso de venda de animais (que são bens móveis semoventes); sendo que, na falta de previsão local, aplicar-se-ão os usos e costumes locais.
Finalizando, o art. 446 do Código vigente enuncia que:
Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.
O dispositivo informa que, durante a vigência da garantia convencional, não correrão os prazos legais inscritos no art. 445 (decadência legal); no entanto, em atenção do princípio da informação, intrinsecamente relacionado à boa-fé objetiva, deve o adquirente, no prazo de 30 (trinta) dias contados do seu descobrimento, denunciar o vício, sob pena de decadência (TARTUCE, Flávio. Op. Cit., pp. 545-546).
Feitas as breves considerações introdutórias, passemos às assertivas...
Maria decide vender sua mobília para Viviane, sua colega de trabalho. A alienante decidiu desfazer-se de seus móveis porque, após um serviço de dedetização, tomou conhecimento que vários já estavam consumidos internamente por cupins, mas preferiu omitir tal informação de Viviane. Firmado o acordo, 120 dias após a tradição, Viviane descobre o primeiro foco de cupim, pela erupção que se formou em um dos móveis adquiridos.
Poucos dias depois, Viviane, após investigar a fundo a condição de toda a mobília adquirida, descobriu que estava toda infectada. Assim, 25 dias após a descoberta, moveu ação com o objetivo de redibir o negócio, devolvendo os móveis adquiridos, reavendo o preço pago, mais perdas e danos.
Sobre o caso apresentado, assinale a afirmativa correta.
a) A demanda redibitória é tempestiva, porque o vício era oculto e, por sua natureza, só podia ser conhecido mais tarde, iniciando o prazo de 30 (trinta) dias da ciência do vício.
CORRETA. Interpretação sistemática do art. 445, caput e § 1°, do CC/2002.
b) Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato, deveria a adquirente reclamar abatimento no preço, em sendo o vício sanável.
ERRADA. Conforme redação do art. 441, CC/2002, o adquirente pode rejeitar a coisa ou requerer seu abatimento, independentemente da natureza do vício.
c) O pedido de perdas e danos não pode prosperar, porque o efeito da sentença redibitória se limita à restituição do preço pago, mais as despesas do contrato.
ERRADA. Como Maria conhecia o vício e optou, deliberadamente, por ocultá-lo, ficou caracterizada a má-fé, impondo-se, portanto, a condenação em perdas e danos juntamente com a restituição do quantum recebido, consoante art. 443, CC/2002.
d) A demanda redibitória é intempestiva, pois quando o vício só puder ser conhecido mais tarde, o prazo de 30 (trinta) dias é contado a partir da ciência, desde que dentro de 90 (noventa) dias da tradição.
ERRADA. Conforme estabelece o § 1° do art. 445 do CC/2002, bem como o entendimento fixado no Enunciado n° 174 do CJF/STJ, o prazo decadencial de 30 (trinta) dias deve ser contado a partir da ciência e desde que o vício oculto, em se tratando de bens móveis, apareça dentro de 180 (cento e oitenta) dias da tradição. Importa ressaltar que o cômputo pela metade, previsto na parte final do art. 445, caput, é aplicável quando o vício for aparente ou de fácil percepção.
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