Determinado Município fez publicar decreto de desapropriação por utilidade pública de determinada área, com o objetivo de construir um hospital, o que incluiu o imóvel de Ana. A proprietária aceitou o valor oferecido pelo ente federativo, de modo que a desapropriação se consumou na via administrativa.
Após o início das obras, foi constatada a necessidade, de maior urgência, da instalação de uma creche na mesma localidade, de modo que o Município alterou a destinação a ser conferida à edificação que estava sendo erigida. Ana se arrependeu do acordo firmado com o poder público.
Diante dessa situação hipotética, na qualidade de advogado(a) de Ana, assinale a afirmativa correta.
a) Ana deverá ajuizar ação de retrocessão do imóvel, considerando que o Município não possui competência para atuar na educação infantil, de modo que não poderia alterar a destinação do bem expropriado para esta finalidade.
b) Cabe a Ana buscar a anulação do acordo firmado com o Município, que deveria ter ajuizado a indispensável ação de desapropriação para consumar tal modalidade de intervenção do estado na propriedade.
c) O ordenamento jurídico não autoriza que Ana impugne a desapropriação amigável acordada com o Município, porque a nova destinação conferida ao imóvel atende ao interesse público, a caracterizar a chamada tredestinação lícita.
d) Ana deverá ajuizar ação indenizatória em face do ente federativo, com base na desapropriação indireta, considerando que o Município não pode conferir finalidade diversa da constante no decreto expropriatório.
Resolução:
A desapropriação é decorrente do poder de império do Estado. Retira-se a propriedade do particular, e, de regra, precedida de justa indenização em dinheiro. E o particular não pode discutir com o poder público sobre o direito de propriedade, a ele resta discutir o preço e, talvez, as questões mais formais do processo adotado.
Na questão, fala-se em tredestinação lícita.
Da leitura do art. 519 do Código Civil, extrai-se o conceito de tredestinação, que ocorre quando é dada uma destinação ao bem desapropriado, porém diversa da que deu origem ao procedimento de desapropriação. Nesse caso, a destinação do uso do bem difere da justificativa inicial que incorreu na desapropriação, e por não continuar vinculada aos fins públicos.
Se ao imóvel desapropriado é conferida destinação diversa da pública, o ente expropriante incorrerá em tredestinação ilícita, o que, inclusive, abre espaço para o instituto da retrocessão. Por exemplo: o Município desapropriou imóvel, por utilidade pública, para a construção de escolas públicas. Porém, parte do imóvel foi destinada à construção de sede de associação dos servidores do ente expropriante, reservada à recreação e lazer de seus associados. Não há, na espécie, utilidade pública da desapropriação.
Agora, se ao imóvel conferiu-se destinação igualmente pública, teremos a tredestinação lícita. Neste caso, não dá direito à retrocessão e à consequente ação de perdas e danos. Esse é o entendimento do STJ, que considera inexistente o direito à retrocessão e à percepção de indenização por perdas e danos nos casos em que a finalidade do ato continua alinhada aos interesses públicos (REsp 841399/SP). Daí a correção da letra “C”.
Os demais itens estão errados:
a) Ana deverá ajuizar ação de retrocessão do imóvel, considerando que o Município não possui competência para atuar na educação infantil, de modo que não poderia alterar a destinação do bem expropriado para esta finalidade.
INCORRETO. Como sobredito, não caberá a retrocessão no caso de tredestinação lícita.
b) Cabe a Ana buscar a anulação do acordo firmado com o Município, que deveria ter ajuizado a indispensável ação de desapropriação para consumar tal modalidade de intervenção do estado na propriedade.
INCORRETO. A desapropriação não precisa chegar até o poder judiciário. A etapa administrativa, por si só, pode ser suficiente. Se o particular acordar com o preço, não teremos a ação de desapropriação no judiciário.
d) Ana deverá ajuizar ação indenizatória em face do ente federativo, com base na desapropriação indireta, considerando que o Município não pode conferir finalidade diversa da constante no decreto expropriatório.
INCORRETO. Não houve desapropriação indireta. Essa é quando o poder público não expede decreto. O Estado vai lá e invade o terreno do particular, e, por lá, efetua algo de interesse público.
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